Num encontro realizado em Alcobaça, o Cardeal Patriarca de Lisboa defendeu a necessidade de diminuir o número de cristãos "faz de conta", coisa que muito deve preocupar a instituição romana. Ainda há dias, o Expresso noticiou que só dois milhões de portugueses são católicos praticantes, o que, num país a roçar os onze milhões de habitantes, equivale a dizer que o catolicismo só é "a sério" para menos de 20% da população. E como é que vinte em cada cem podem justificar dias livres durante uma visita papal?
Mas, para lá dos privilégios, a questão dos cinco a seis milhões de católicos não-praticantes é revelador da forma de ver e viver o religioso em Portugal. O pragmatismo, a ausência de debate, a inexistência de pesquisa individual (por falta de meios ou de vontade) e até indicadores de identidade juntam-se num cocktail que leva a essa disparidade de milhões entre os que são de facto católicos e os que o são nominalmente.
Tenho em crer - porque diz-me a experiência e não um estudo cientifico - que muitos são católicos praticantes porque não sabem que mais ser. Isto é, são pessoas que se sentem religiosas, que recorrem ao espiritual em momentos de necessidade ou em ritos de passagem (como um casamento) e a forma que dão a essa sua espiritualidade é aquela que está mais à mão: o catolicismo. E fazem-no de uma forma muito pragmática em que ligam pouco ou nada a dogmas ou doutrinas e querem acima de tudo a concretização de desejos ou um sentido para actos muito específicos. Se preciso for, recorrem ao sincretismo religioso para atingirem os objectivos: quem conheça a realidade fora dos grandes centros urbanos, depressa percebe que rezas, mezinhas e símbolos não católicos convivem facilmente com santos do catolicismo em práticas que visam a obtenção de saúde, dinheiro, sucesso na escola ou no negócio, etc. Nada de muito filosófico ou teológico, tudo muito prático.
Questionadas sobre qual a sua religião, essas pessoas respondem ser católicas. Não-praticantes, claro está, que não vão à missa nem se reconhecem na Igreja, mas católicos, não obstante. Verdade seja dita, são poucos os portugueses que têm meios ou sequer vontade para realmente definirem e escolherem uma religião ou nenhuma. Fazê-lo implica pesquisar, ler, reflectir, debater e até experimentar, coisas muitas vezes distantes da realidade quotidiana de um país com baixos níveis de instrução, baixos índices de leitura e com pouca cultura debate, nomeadamente no religioso. Afinal, em quantas casas portuguesas se discutirá religião à mesa? Em quantos cafés e com que frequência? Quantos pais oferecem ou põem à disposição dos filhos livros que debatam temas religiosos (por oposição à literatura doutrinária)? Trata-se de uma coisa demasiadas vezes não-discutível, por indiferença ou por imposição de tradição familiar; se não é discutido e pensado, como pode alguém ser parte consciente e praticante de uma fé?
Por fim, há ainda uma questão identitária. Ou seja, um português que queira definir a sua religião em pouco tempo faz um exercício ao género de se olhar ao espelho e pensar que judeu não é, porque não sabe hebraico e não usa um "chapelinho"; muçulmano também não, porque não se dobra várias vezes ao rezar numa língua que não conhece, não se vira para Meca e porque não usa barba (se for homem) nem se tapa toda (se for mulher); hindu não, porque não é indiano nem vem de um "país tropical"; budista talvez também não seja, porque não rapa o cabelo, não faz meditação e não é tibetano; e ateu também não, porque acredita ou quer acreditar em alguma coisa. Os protestantes não têm santos e os ortodoxos é coisa de países de leste. E acaba mais ou menos aqui o conhecimento geral que muitos portugueses têm sobre outras religiões, que é simultaneamente uma lista de diferentes formas do "outro". Manda portanto que o sentido de identidade opte por algo "nosso", o bom e velho produto nacional, que neste caso é o catolicismo.
É de estranhar que, há algum tempo atrás, um estudo de opinião tenha concluído que um número considerável de pessoas acha que ser português equivale a ser católico?
domingo, 18 de abril de 2010
Praticar ou não praticar
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1 comentário:
Gostei muito do artigo "Praticar ou não Praticar". Tenho alguns amigos portugueses que conheci através da internet (não pessoalmente), que me disseram isso: são católicos não praticantes. Eu, de minha parte, sou Espírita, adepta de Allan Kardec. Comentei com esses amigos sobre minha religião mas nenhum deles demonstrou o mínimo interesse nem a mínima curiosidade. Realmente se acomodaram nesse catolicismo não praticado somente para não se dizerem ateus. É claro que cada um tem o livre arbítrio para escolher a religião que bem entender, ou não escolher nenhuma. Apenas faço este comentário porque foi de encontro ao que eu havia notado mas não pensei que fosse maioria. Todo o meu respeito a todos vcs, portugueses.
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