Há qualquer coisa que cheira mal, muito mal nesta história de "fidelidade ao partido" que originou a tão "brilhante" proposta de Santana Lopes no congresso do PSD, já bem apelidada de lei da rolha. E não lhe faltam apoiantes, a julgar pela votação que obteve entre os delegados e as opiniões proferidas nos fóruns na televisão e na rádio, onde abundam palavras como "traição" e "desonestidade" na descrição dos que criticam a direcção do partido.
Sinceramente, não percebo; ou melhor, percebo de onde vem a ideia, mas não concordo com ela nem um pouco. Um partido é (ou devia ser) um agrupamento ideológico, uma congregação de pessoas - os militantes - em torno de um conjunto de ideais fundamentais. É apenas a elas que se deve fidelidade, não a pessoas, direcções ou mesmo programas eleitorais. Esses vão e vêm numa mudança própria do regime democrático; as ideias base, os princípios fundamentais, esses ficam no longo prazo. E um militante tem o direito - diria até o dever - de criticar uma dada direcção ou programa se achar que ele fere as bases ideológicas do partido. Independentemente de haver ou não eleições à porta. Isto é o ideal; a realidade portuguesa é outra conversa.
Eu quase que aposto que uma boa parte dos militantes do PSD não sabe quais os pilares ideológicos do seus partido; quase que aposto que a maior parte está no PSD por ser cavaquista ou sá caneirista, não por ser ou sequer saber o que é ser social-democrata. É nisto que se transformaram os partidos políticos portugueses: agrupamentos com base em fidelidades pessoais, quase sempre de natureza clientelar ou de divinização de um líder que se torna inquestionável. Nesse contexto, é perfeitamente natural que falar contra uma direcção partidária signifique traição ou quebra de fidelidade. Mas isso não é próprio de uma democracia, sendo que a maior prova é talvez o clima de silenciamento que acaba por gerar e, em momentos infelizes, institui-lo oficialmente, como foi o caso do sucedido no congresso do PSD.
Dir-se-ia que ninguém é obrigado a estar num partido e que, se não concorda com o seu modo de funcionamento, pode sempre sair. É um facto. Mas talvez isso explique porque é que os partidos se tornaram tão pouco interessantes (para usar um eufemismo) e porque é que muitas pessoas de valor estão fora deles, enquanto lá dentro acotovelam-se multidões de clientes à espera de favores.
terça-feira, 16 de março de 2010
Fidelidades
Publicado por Héliocoptero às 22:34
Etiquetas: Partidos políticos, Sistemas políticos
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