Corria o ano de 391 quando o imperador Teodósio ordenou o encerramento de todos os templos pagãos. No dia 24 de Fevereiro desse mesmo ano, a chama da deusa Vesta foi apagada sem que fosse reacendida. Não sendo verdade que ela ardia ininterruptamente há séculos - a própria religio previa a renovação anual do fogo sagrado - certo é que é o momento foi o silenciar de um dos cultos mais antigos de Roma.
Era o resultado da ascensão ao poder do cristianismo e do sucesso da sua exigência de monopólio do sagrado. Coisa inédita na Europa antiga e, com ela, no mundo mediterrânico, onde o paranorama religioso era um de diversidade e de sincretismo. Se perseguições e supressão religiosa houve - e elas existiram - a sua motivação foi principalmente política. O caso dos druidas será, por ventura, o mais conhecido. Mas nem mesmo isso impediu que Epona, deusa celta dos cavalos, viesse a ter um templo em Roma. A novidade do cristianismo estava no credo como justificação para a extinção: não se propunha a conviver com os antigos deuses, mas a suprimi-los; não se contentava com um espaço partilhado, queria o monopólio do religioso. É uma consequência natural do monoteísmo estrito que, ao conceber apenas um deus, anula por exclusão de partes a crença em todos os outros. E isso resulta naquele pensamento binário simples, mas tantas vezes destrutivo: ou é preto ou é branco; ou estás comigo ou contra mim. Parafraseando de S. Paulo numa das suas cartas, não se pode comer ao mesmo tempo na mesa de Deus e dos demónios. Foi essa a mentalidade que suprimiu a diversidade religiosa europeia, incluindo dentro do próprio cristianismo, em luta contra as suas muitas "heresias".
Assim sendo, 24 de Fevereiro tem sido declarado por alguns como o Dia Europeu da Memória Pagã, porque nele extingiu-se a chama ancestral de Roma. E o fim de um dos mais antigos e elementares cultos romanos foi sintomático da supressão religiosa que assolava já a Europa e viria a generalizar-se pelo velho continente. Apagado o fogo de Vesta, apagava-se a chama do paganismo antigo; primeiro no mundo mediterrânico, depois no resto da Europa.
Neste dia, recorde-se então os perseguidos, os resistentes, os heróis e preste-se-lhes homenagem. Juliano será por ventura o exemplo mais conhecido, mas houve outros. Haja memória para que ela não morra e, resistindo ao passar do tempo, venha, no futuro, a permitir que o que foi extinto seja novamente uma realidade. Até porque já estivemos mais longe de o conseguir ;)
terça-feira, 24 de fevereiro de 2009
Memória Pagã 2009
Publicado por Héliocoptero às 11:34
Etiquetas: Memória Pagã, Religião, Religio Romana
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8 comentários:
Hoje lembramos! E felizmente há quem lembre, e quem ainda tenha animo! O paganismo nunca morreu nos corações nem na memória!
Lealdade Sacra
Belo post Helio. Mantenhamos acesa a chama de Vesta nos nossos corações, como dizes já estivemos mais longe.
z
Finalmente parecemos estar a voltar a um mundo de diversidade!
Obrigado, Z. Entretanto, já lhe dei uns ajustes, que nisto da escrita eu sou um pouco como o Tolkien: escrevo e rescrevo e volto a rescrever até achar que a coisa está bem. Pelo menos até rescrever novamente :p
E sim, a diversidade está de volta, mas ainda por sair de um paradigma monoteísta. Basta pensar que a tolerância e o diálogo religioso faz-se demasiadas vezes em torna da ideia de "Deus" e das noções saídas das três religiões abraamicas. Ainda há qualquer coisa de fundamental por quebrar.
A pergunta talvez devesse ser se a comunidade pagã está interessada em estar associada a esse "diálogo" religioso...
escreves muito bem e bem informado, nem queiras saber do meu contentamento de ver que vcs existem, o Pedro também embora noutra onda. Eu sei que isto parece graxa mas não é, é mesmo alegria, na minha geração isto era tudo ostracizado como pensamento esotérico pernicioso, e os seus actantes também.
Viva a Revolução Digital que não sei o que é, mas abre portas por todo o lado.
27 de Fevereiro foi quando o cristianismo católico foi declarado a única religião oficial do Império Romano. É no dia que vou pedir para ir para o ar o meu texto sobre os casamentos homo.
z
Pedro,
É uma boa pergunta. Organizações pagãs de relevo por estas bandas há a secção portuguesa Federação Pagã, mas não sei se são eles que se querem manter à margem (porque ainda há aquela mania do oculto e secreto) ou se há um assobiar para o ar da partes dos outros intervenientes no debate interreligioso, que preconceito é coisa que não falta. Nem sequer sei se alguma vez entraram oficialmente em contacto com a Comissão de Liberdade Religiosa.
O que sei é que a Federação Pagã não recolhe apoios unânimes entre pagãos - eu incluido. É por essas e por outras que tempos meti-me a escrever os primeiros artigos dos estatutos de uma hipotética organização portuguesa, à imagem e semelhança da britânica Associação de Tradições Politeístas. Mas foi um sonho a que comecei a dar forma escrita: concretizá-lo a sério exige antes de mais um mínimo de pessoas com as ideias certas e a vontade no lugar.
Z,
Qual texto? Para o ar onde? A malta quer saber essas coisas ;)
Hélio,
Desculpa não ter respondido antes mas como podes ver quando fores ao mail tinha uma boa razão. Sim sem dúvida que uma associação das tradições politeístas seria mais representativa do que aquilo que temos actualmente e já para não falar que seria muito util à organização e vivência dos vários grupos e individuos!
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