quarta-feira, 21 de abril de 2010

Novo projecto


Quem se mova no meio e leia o que vai aparecendo, inevitavelmente chega à conclusão que o mundo politeísta ou pagão em Portugal é pobre, muito pobre. A qualidade académica das discussões é baixa, os temas debatidos esgotam-se demasiadas vezes numa agenda magico-esotérica e a presença nos debates inter-religiosos é insípida (o que não é de surpreender). E depois há ainda o problema das ligações de alguns grupos à extrema-direita, o que reduz ainda mais a qualidade do meio.

Ao mesmo tempo, há uma comunidade politeísta crescente que usa o inglês como língua nativa ou de comunicação e que expande há já vários anos a sua presença na internet, multiplicando grupos, listas de discussão e blogues. Como eu já estou um bocado cansado da mediocridade nacional, decidi "juntar-me à festa" e emigrar virtualmente (enquanto a real também não chega).

A partir de 1 de Maio, dia auspicioso e antigo ponto de viragem no calendário, vou estar como escriba de um novo blogue chamado Golden Trail (trilho dourado), onde o tema principal será politeísmo em particular e religião em geral, com muito de prática, crenças e gnosis pessoal à mistura. E tudo em inglês.

Este sítio continuará aberto. Porque de vez em quando lá vou escrevendo qualquer coisa sobre o "pântano" e porque aqui vou pondo ocasionalmente traduções portuguesas de coisas que escreva do outro lado.

domingo, 18 de abril de 2010

Praticar ou não praticar

Num encontro realizado em Alcobaça, o Cardeal Patriarca de Lisboa defendeu a necessidade de diminuir o número de cristãos "faz de conta", coisa que muito deve preocupar a instituição romana. Ainda há dias, o Expresso noticiou que só dois milhões de portugueses são católicos praticantes, o que, num país a roçar os onze milhões de habitantes, equivale a dizer que o catolicismo só é "a sério" para menos de 20% da população. E como é que vinte em cada cem podem justificar dias livres durante uma visita papal?

Mas, para lá dos privilégios, a questão dos cinco a seis milhões de católicos não-praticantes é revelador da forma de ver e viver o religioso em Portugal. O pragmatismo, a ausência de debate, a inexistência de pesquisa individual (por falta de meios ou de vontade) e até indicadores de identidade juntam-se num cocktail que leva a essa disparidade de milhões entre os que são de facto católicos e os que o são nominalmente.

Tenho em crer - porque diz-me a experiência e não um estudo cientifico - que muitos são católicos praticantes porque não sabem que mais ser. Isto é, são pessoas que se sentem religiosas, que recorrem ao espiritual em momentos de necessidade ou em ritos de passagem (como um casamento) e a forma que dão a essa sua espiritualidade é aquela que está mais à mão: o catolicismo. E fazem-no de uma forma muito pragmática em que ligam pouco ou nada a dogmas ou doutrinas e querem acima de tudo a concretização de desejos ou um sentido para actos muito específicos. Se preciso for, recorrem ao sincretismo religioso para atingirem os objectivos: quem conheça a realidade fora dos grandes centros urbanos, depressa percebe que rezas, mezinhas e símbolos não católicos convivem facilmente com santos do catolicismo em práticas que visam a obtenção de saúde, dinheiro, sucesso na escola ou no negócio, etc. Nada de muito filosófico ou teológico, tudo muito prático.

Questionadas sobre qual a sua religião, essas pessoas respondem ser católicas. Não-praticantes, claro está, que não vão à missa nem se reconhecem na Igreja, mas católicos, não obstante. Verdade seja dita, são poucos os portugueses que têm meios ou sequer vontade para realmente definirem e escolherem uma religião ou nenhuma. Fazê-lo implica pesquisar, ler, reflectir, debater e até experimentar, coisas muitas vezes distantes da realidade quotidiana de um país com baixos níveis de instrução, baixos índices de leitura e com pouca cultura debate, nomeadamente no religioso. Afinal, em quantas casas portuguesas se discutirá religião à mesa? Em quantos cafés e com que frequência? Quantos pais oferecem ou põem à disposição dos filhos livros que debatam temas religiosos (por oposição à literatura doutrinária)? Trata-se de uma coisa demasiadas vezes não-discutível, por indiferença ou por imposição de tradição familiar; se não é discutido e pensado, como pode alguém ser parte consciente e praticante de uma fé?

Por fim, há ainda uma questão identitária. Ou seja, um português que queira definir a sua religião em pouco tempo faz um exercício ao género de se olhar ao espelho e pensar que judeu não é, porque não sabe hebraico e não usa um "chapelinho"; muçulmano também não, porque não se dobra várias vezes ao rezar numa língua que não conhece, não se vira para Meca e porque não usa barba (se for homem) nem se tapa toda (se for mulher); hindu não, porque não é indiano nem vem de um "país tropical"; budista talvez também não seja, porque não rapa o cabelo, não faz meditação e não é tibetano; e ateu também não, porque acredita ou quer acreditar em alguma coisa. Os protestantes não têm santos e os ortodoxos é coisa de países de leste. E acaba mais ou menos aqui o conhecimento geral que muitos portugueses têm sobre outras religiões, que é simultaneamente uma lista de diferentes formas do "outro". Manda portanto que o sentido de identidade opte por algo "nosso", o bom e velho produto nacional, que neste caso é o catolicismo.

É de estranhar que, há algum tempo atrás, um estudo de opinião tenha concluído que um número considerável de pessoas acha que ser português equivale a ser católico?

sexta-feira, 19 de março de 2010

Privacidade em público?

Consta que há deputados chateados com o que os jornalistas fotografam no plenário da Assembleia da República. Parece que hoje, por não gostarem da resposta de Jaime Gama, um grupo de deputados socialistas bateu com as tampas dos computadores em jeito de protesto (notícia aqui).

No meio disto, a única coisa que parece escapar aos representantes da Nação é a natureza obviamente pública do seu cargo. Ou, por outras palavras, um deputado no exercício das suas funções é naturalmente escrutinado a todo o tempo, principalmente na reunião magna do parlamento. O seu estatuto de eleitos faz deles pessoas públicas, pelo que, se querem evitar a devassa da sua vida privada, não se ocupem dela quando estão a trabalhar!

Quando é que a nossa "elite" parlamentar percebe isso?

quinta-feira, 18 de março de 2010

Quinquatria 2763 a.u.c. (2010 d.C.)

O sol já se pôs e entrámos no dia 19 de Março. Estamos na Quinquatria, o festival em honra da deusa Minerva!



Deixo os meus desejos de sucesso académico e profissional a todos os leitores e uma sugestão de leitura. Salvé, Minerva!

terça-feira, 16 de março de 2010

Fidelidades

Há qualquer coisa que cheira mal, muito mal nesta história de "fidelidade ao partido" que originou a tão "brilhante" proposta de Santana Lopes no congresso do PSD, já bem apelidada de lei da rolha. E não lhe faltam apoiantes, a julgar pela votação que obteve entre os delegados e as opiniões proferidas nos fóruns na televisão e na rádio, onde abundam palavras como "traição" e "desonestidade" na descrição dos que criticam a direcção do partido.

Sinceramente, não percebo; ou melhor, percebo de onde vem a ideia, mas não concordo com ela nem um pouco. Um partido é (ou devia ser) um agrupamento ideológico, uma congregação de pessoas - os militantes - em torno de um conjunto de ideais fundamentais. É apenas a elas que se deve fidelidade, não a pessoas, direcções ou mesmo programas eleitorais. Esses vão e vêm numa mudança própria do regime democrático; as ideias base, os princípios fundamentais, esses ficam no longo prazo. E um militante tem o direito - diria até o dever - de criticar uma dada direcção ou programa se achar que ele fere as bases ideológicas do partido. Independentemente de haver ou não eleições à porta. Isto é o ideal; a realidade portuguesa é outra conversa.

Eu quase que aposto que uma boa parte dos militantes do PSD não sabe quais os pilares ideológicos do seus partido; quase que aposto que a maior parte está no PSD por ser cavaquista ou sá caneirista, não por ser ou sequer saber o que é ser social-democrata. É nisto que se transformaram os partidos políticos portugueses: agrupamentos com base em fidelidades pessoais, quase sempre de natureza clientelar ou de divinização de um líder que se torna inquestionável. Nesse contexto, é perfeitamente natural que falar contra uma direcção partidária signifique traição ou quebra de fidelidade. Mas isso não é próprio de uma democracia, sendo que a maior prova é talvez o clima de silenciamento que acaba por gerar e, em momentos infelizes, institui-lo oficialmente, como foi o caso do sucedido no congresso do PSD.

Dir-se-ia que ninguém é obrigado a estar num partido e que, se não concorda com o seu modo de funcionamento, pode sempre sair. É um facto. Mas talvez isso explique porque é que os partidos se tornaram tão pouco interessantes (para usar um eufemismo) e porque é que muitas pessoas de valor estão fora deles, enquanto lá dentro acotovelam-se multidões de clientes à espera de favores.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Não digam que ninguém avisou

Esta reportagem foi feita há dois anos e valeu o que valeu. E agora? Aprendemos alguma coisa com a tragédia?



E vale também a pena ler esta notícia do DN: Só a Madeira não tem Reserva Ecológica Nacional.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Numa palavra: brilhante!

Há um programa da BBC - o Intelligence Squared - onde, em cada edição, uma moção é posta a votação pelo público presente no estúdio e, para protagonizarem o debate, são convidadas várias personalidades que concordam ou discordam da ideia em cima da mesa. Uma espécie de Prós e Contras, mas num formato mais polémico e menos atolhado de participantes.

Em Outubro do ano passado (sim, só agora é que descobri isto), o tema era A Igreja Católica é uma força de bem. O vídeo que se segue é o discurso que o actor britânico, Stephen Fry, fez contra a moção e eu só tenho três palavras para o descrever: brilhante, brilhante e brilhante!



E desculpem, mãe e pai, mas não há com legendas em português.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A arte de não aprender

A respeito do sucedido na Madeira e porque aquilo não acontece por mero acaso ou apenas por excesso de chuva...

Há uma coisa chamada leito de cheia, que é o espaço para o qual um rio se expande em largura quando tem água a mais; é uma espécie de terreno extra para quando o caudal aumenta devido às chuvas. Se nós ocupamos essa área com casas e apertamos o rio entre muros, estreitando-o, então ele vai expandir-se em altura e violência por não poder fazê-lo em largura. Porque é que ainda não conseguimos perceber isto e continuamos a fazer casinhas, aldeamentos e urbanizações onde não devíamos? Seja por (estúpida) vontade nossa ou por incúria das autoridades que passam licença de construção e criam mecanismos que permitem ultrapassar regras de gestão do território.

E, como se não bastasse o erro de início, depois cometemos o da perpetuação à custa do dinheiro dos impostos, isto é, não só não corrigimos erros de urbanismo e de planeamento, como ainda os mantemos com fundos públicos gastos a cobrir arribas com betão ou a criar " canalizações" - usando as palavras de Alberto João Jardim - para tentar manter águas num espaço exíguo. Eu percebo que se faça isso no caso de zonas históricas ou monumentos nacionais, mas é pura irresponsabilidade fazê-lo quando em causa estão habitações recentes, aldeamentos turísticos ou casas de férias.

O dinheiro que se gasta a perpetuar erros que saem caro, muito caro em momentos como o actual, seria melhor empregue na expropriação e demolição do que não devia ter sido sequer autorizado. E isto já para nem falar de hospitais, quartéis de bombeiros ou de polícia construídos em leito de cheia...

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

O Galvão de ontem, os galvões de hoje...

Em 1974, depois do derrube do Estado Novo, um grupo de homossexuais entregou aos militares de Abril um documento onde era pedido o reconhecimento dos direitos de uma minoria sexual. A resposta veio pela boca do General Galvão de Melo, que repudiou o pedido dizendo que "o 25 de Abril não se fez para as prostitutas e os homossexuais o reivindicarem". Foi preciso esperar até 1982 para que o parlamento retirasse do Código Penal a criminalização da homossexualidade.

Passados trinta e seis anos sobre a Revolução dos Cravos, parece ainda haver quem, entre os Capitães de Abril, continue a achar que Galvão de Melo tinha razão e que talvez não fosse má ideia voltar atrás no tempo. Só assim se explica que um grupo de militares da Revolução traga a público uma carta aberta contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que a alteração legislativa em causa é uma aberração ou que "os militares que fizeram o 25 de Abril foram pessoas que arriscaram toda a sua carreira por algo em que acreditavam". E é aqui que eles - os senhores capitães que assinaram a dita carta - deviam meter a mão na consciência e ganharem vergonha na cara.

O 25 de Abril produziu um regime democrático aberto, inclusivo, assente na dignidade humana e nos valores da igualdade e da liberdade. É isso, pelo menos, o que se entende por Democracia nos dias de hoje. Coisa bem diferente é fazer um regime à medida das convicções pessoais do/a sujeito/a A ou B, que é precisamente o que estes galvões parecem desejar quando se arrogam do seu estatuto de Capitães de Abril para dizerem que são contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, como se a Revolução dos Cravos não tivesse sido feita para os homossexuais.

Defender os que estes senhores defendem, na qualidade de militares de Abril e dando pleno verbo à sua homofobia, tem tanto de justo e lógico como um capitão de esquerda afirmar que a revolução não se fez para Portugal ser governado por partidos de direita ou um militar católico defender que o 25 de Abril não se fez para os judeus, os muçulmanos, os budistas ou os ateus. Por outras palavras, querer reduzir um regime aberto e inclusivo à diminuta capacidade de tolerância e compreensão destes galvões de hoje. Ó tempo, não voltes para trás...


Publicado em simultâneo no Devaneios LGBT

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Boom, baby!



Este vídeo é uma trailer fenomenal feita por um fã da série de animação americana Avatar - O Último Mestre do Ar. Estreada em 2005 e criada por Michael DiMartino e Brian Konietzko, conta a história de um mundo dividido em quatro nações de humanos com um poder nativo para controlarem um dos elementos - os Nómadas do Ar, as Tribos da Água, os Reinos da Terra e a Nação do Fogo - e do Avatar, a reencarnação cíclica do Espírito da Terra com poder para governar todos os elementos naturais e, como tal, com capacidade para manter as coisas mais ou menos equilibradas.

Cem anos antes da narrativa começar, a Nação do Fogo está em guerra expansionista contra os restantes reinos e procura evitar a vinda do novo Avatar, perseguindo os Nómadas do Ar, já que é entre eles que nascerá a próxima reencarnação. No início da série, todos os Nómadas morreram; todos excepto uma criança que ficou aprisionada no gelo durante um século e que, só por acaso, é o Avatar. O que se segue é uma demanda pela aprendizagem das artes e segredos dos restantes elementos e o confronto final com os líderes da Nação do Fogo. E mais não digo!

A série foi muito aclamada, fez uma legião de fãs e está prestes a rebentar a versão em filme, realizada pelo Night Shyamalan, o do Sexto Sentido e Sinais. E vai ser uma triologia (pelo que consta)! Até lá, fiquem com duas trailers para abrir o apetite :p

domingo, 14 de fevereiro de 2010

OMGs!

Tenham medo! Tenham muito medo de terem pesadelos ou que vos rebente uma veia de tanto rirem com isto:



M-E-D-O!

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Se choraram com o Milk...

... vão chorar muito mais com este:



Via o sítio da AMPLOS, onde também podem encontrar a reportagem de hoje da Revista Expresso, sobre adolescentes que saem do armário e os pais que os aceitam (ou não!).

Publicado em simultâneo no Devaneios LGBT

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

A censura "à portuguesa"

Eu percebo a lógica de dizer isto, que é realmente estranho afirmar que há censura e fazê-lo em directo num jornal nacional. Mas apontar para essa contradição como forma de desmentir o tema em causa é não perceber o tipo de censura existente em Portugal.

Não é a de lápis azul, prisão de opositores ou cortes súbitos de emissões. É antes a censura que se consegue pela ameaça da perda de emprego, do fim de apoios financeiros ou da rejeição de projectos. É, por outras palavras, o método do medo que gera auto-censura. E isso existe um pouco por todo o país, perpetuado por pessoas de diferentes quadrantes políticos, mas sempre com um ponto em comum: a dificuldade em lidar com críticas e o desejo de poder sem oposição.

Se não acreditam, vão viver para uma autarquia da província e logo descobrem até onde a coisa chega. O 25 de Abril pode ter trazido o direito à livre expressão de ideias e opiniões, mas não trouxe por decreto o seu exercício pleno.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

À conquista



O homem que disse que ética e política nada têm a ver é, a partir de hoje, candidato à liderança do PSD e quer ser chefe do Governo para elevar o país. Edificante...

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Da claustrofobia, asfixia e outras coisas mais

Há ausência de liberdade de expressão em Portugal? Não! Há condicionamentos ao exercício da liberdade de expressão? Sim! Mas esse mal não tem raiz em nenhum partido ou político em particular, mesmo sendo José Sócrates um burocrata birrento que lida mal com críticas. O problema está na organização do actual regime democrático e na falta de cultura política - seja do agente político, seja do cidadão.

Há uns anos atrás, um jornal de Alcobaça publicou uma sátira minha ao Presidente da Câmara de então. Entre as concordâncias e discordâncias de muitos, houve quem dissesse - a mim ou ao meus pais - que eu devia ter cuidado com o que escrevia, que qualquer dia eu podia precisar da autarquia e arriscava-me a ficar de mãos a abanar. E, mais ou menos pela mesma altura, o executivo camarário obrigou a organização de uma exposição a excluir da lista de artistas um professor universitário natural de Alcobaça por causa das sátiras e críticas que ele dirigia à Câmara.

É esta a asfixia democrática do país! Não é censura de lápis azul, que essa, felizmente, já lá vai, mas são as pressões, as ameaças veladas e os bloqueios burocráticos estrategicamente ocorridos que alimentam um clima de medo e de consequente auto-censura. E o que é verdade para Alcobaça é verdade para a generalidade das autarquias portuguesas, principalmente na província, ou para as regiões autónomas, mormente para a Madeira, e é transversal à classe e partidos políticos. Alguém acha que a Manuela Ferreira Leite que fez uma autêntica purga às listas do PSD para a Assembleia da República tem mais facilidade em lidar com críticas do que José Sócrates? Já ninguém se lembra das pressões do Governo de Santana Lopes por causa das crónicas televisivas de Marcelo Rebelo de Sousa? O mal é muito mais profundo do que as acções deste ou daquele partido, desta ou aquela pessoa.

O problema radica na ausência de uma cultura de mérito e na presença esmagadora da da cunha, do favor e do tráfico de influências que alimenta e da qual se alimentam as organizações de distribuição de contratos em que se transformaram os partidos políticos. É uma verdadeira relação parasitária para benefício mútuo! De um lado estão os que, com a benesse de uma "amizade", conseguem o que de outra forma lhes escapava; do outro, os aparelhos partidários que, desse modo, cativam apoios públicos ou privados. E, no meio da cumplicidade e do medo de perder a cunha - e o proveito que dela se retira - morre a liberdade de se falar sem receio de represálias. Foi com esse fantasma que me acenaram em Alcobaça ou dessa forma que castigaram outra pessoa; é assim um pouco por todo o país, independentemente da militância partidária dos agentes.

Disse alguém em tempos que a ausência de cultura de debate não se fica só a dever à falta de interesse ou à fraca instrução dos Portugueses, mas radica também no simples facto de poucas pessoas serem verdadeiramente livres: alguém está dependente de alguém e não fala por receio de represálias. Claro que há aqui qualquer coisa de hábitos mentais de outros tempos ou um "ter o Salazar na cabeça"; mas há também a consciência da escassez de ética da parte de quem têm poder e da incapacidade da Justiça em proteger quem se arrisca a ser prejudicado pelo livre e justo exercício da liberdade de expressão. E é por estas e por outras que eu às vezes já não sei até que ponto sou de esquerda: a partir do momento em que o Estado é o principal empregador e cliente - e o aparelho estatal é controlado por aparelhos partidários fechados e imunes à rotatividade - então está aberto o caminho para a intimidação e consequente condicionamento da liberdade de expressão.

A solução? Reduzir o peso do Estado, desburocratizar para permitir o sucesso por via do mérito à luz de critérios mais simples e públicos, sem necessidade de declarações de "Projecto de Interesse Nacional", e reformar o sistema democrático para permitir a livre candidatura de cidadãos aos cargos políticos, sem necessidade de um crivo partidário e sem terem que se esconder atrás do anonimato colectivo de listas. Fácil de dizer, difícil de fazer, eu sei. Mas nunca ninguém disse que para sair do pântano basta um estalar de dedos ou simples mudança de partido no Governo.