Via O Bico de Gás, cheguei a este artigo de opinião de Fernando Marques publicado no JN. Como é uma pena estar a citar apenas um excerto ou outro, mais vale meter aqui a peça na íntegra. O segundo parágrafo é especialmente certeiro. Boa leitura!
Não volto a cair no ardil da maioria absoluta. Nunca mais darei plenos poderes a ninguém. As maiorias absolutas abrem as portas à inflexibilidade, à intransigência, à arrogância e ao autismo político. São territórios fechados, secretos e xenófobos - o mais que, em democracia, se aproxima de um autoritarismo. Nas campanhas eleitorais, o PS e o PSD vendem a maioria absoluta como um instrumento indispensável à estabilidade governativa, mas não é verdade. Só é indispensável à estabilidade do Poder. Ao gozo singular e impudico do Poder.
Um governo de maioria absoluta tende a tornar-se um governo da verdade absoluta. As suas leis passam no Parlamento sem necessidade de diálogo nem negociação, porque os deputados do partido dominante - salvo raras e distintas excepções como Manuel Alegre, no PS - sujeitam a sua consciência a um expediente antidemocrático designado por "disciplina de voto". Erguer-se da cadeira a favor do Governo ou contra a Oposição - um bom exercício para as pernas, mas de discutível interesse para a democracia - é quanto basta a muitos deputados para se manterem nas graças do partido e a bordo de uma carreira de sucesso.
As democracias mais estáveis da Europa vivem bem sem maiorias absolutas. Na Holanda e na Suécia, por exemplo, sucedem-se os governos de coligação. E cada novo governo não só respeita os compromissos de Estado do governo anterior como prossegue muitas das suas políticas. Porquê? Porque o acto de governar é observado como uma responsabilidade sagrada. Não é pelo gozo do poder, é pelo interesse dos cidadãos. Nas democracias avançadas, os partidos não tomam conta do Estado - servem-no. Em Portugal é ao contrário. A cada novo governo corresponde um Estado novo. O PS quer deixar a sua impressão digital no Estado e, portanto, reforma-o. O PSD quer fazer o mesmo e reforma a reforma do PS. E às vezes, neste vórtice, um destes partidos, já esquecido da reforma que fez, reforma a sua própria reforma...
Comigo, a partir de agora, vai ser à zé-povinho: queres uma maioria absoluta? Toma!
domingo, 16 de novembro de 2008
Manifesto antimaiorias
Publicado por Héliocoptero às 16:21
Etiquetas: Democracia, Parlamento, Sistemas políticos
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3 comentários:
Again... tradições políticas diferentes. Nenhum governo português se manteve em funções por muito tempo nos últimos quase 200 anos sem uma maioria parlamentar e não foi pela falta de exemplos lá fora. Temos uma má separação de poderes e acima de tudo uma péssmia fiscalização popular - aliás, não existe.
É verdade que não temos tradição política que permita um governos de coligação estáveis. Mas também é verdade que não vamos consegui-la se mantivermos o discurso dá maioria absoluta como sinónimo exclusivo de estabilidade governativa.
Quanto à fiscalização popular, além da falta dela também ter raíz na ausência de tradição - estamos muito mais habituados a "brandos costumes" - o sistema actual também não ajuda. Num modelo parlamentar, à assembleia representativa do todo nacional compete a função fiscalizadora do governo. Se, pelo modo como está estruturada, ela só muito dificilmente representa os cidadãos e, por outro lado, a praxis política é uma de «quero, posso e mando», onde é que há espaço para fiscalização popular? E que não seja apenas nominal, mas tenha efeitos reais na conduta política.
há muito que eu voto...na instabilidade....
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