quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ter e parecer

Portugal é um país que descura o mérito e o esforço honesto. Pronto, talvez seja demasiado agressivo começar assim um texto, mas os sinais estão aí para quem os quiser ver, na nossa rua, nas vias de comunicação, nas nossas cidades e nas nossas escolas. Nelas está escrito em letras gordas o gosto pela aparência e o desprezo pelo mérito.

Talvez porque fomos um país pobre durante demasiado tempo, temos pressa em ser ricos. Ou melhor, temos pressa em ter aquelas coisas que associamos a países ricos: construção em altura e grande densidade, acesso a auto-estrada para cada vila e aldeia, TGV, grandes estádios de futebol e cidades organizadas em função do automóvel. Ruralidade equivale a subdesenvolvimento, espaço natural a espaço por ocupar e coisas pequenas e baratas, ainda que eficientes, são tidas como sinónimo de falta de recursos. Aquilo em que já não temos pressa nenhuma - ou mesmo vontade - é em trabalhar para merecer esses sinais exteriores de riqueza que, ainda por cima, são por vezes tidos como desnecessários em países ricos. Queremos ter a qualidade de vida dos escandinavos, mas não queremos ter o esforço, impostos, civismo, organização e sentido de responsabilidade que eles têm. Num exercício do chico-espertismo português, da esperteza por oposição à inteligência, preferimos a aparência ao conteúdo, porque a primeira é sempre mais fácil de obter do que a segunda.

Se é assim nos modelos de desenvolvimento, mobilidade e de vida em sociedade, é assim também no sistem de ensino. Ficou-se hoje a saber que o Conselho Nacional de Educação propôs o fim dos chumbos até aos 12 anos. O motivo? Porque a OCDE assim o diz e porque é assim na Finlândia. E os finlandeses têm o melhor desempenho escolar do mundo. Para a provinciana mentalidade portuguesa, portanto, basta que emitemos a regra da ausência de chumbos para sermos como eles. Pouco importa se na Finlândia, ao contrário de Portugal, há cultura de mérito, sentido de trabalho e rigor, turmas mais pequenas, escolas bem equipadas e professores bem remunerados que não têm que investir parte do seu tempo em burocracias do sistema de ensino. O Conselho Nacional de Educação contenta-se em propôr que se copie o superficial, que isso de civismo, mérito e cultura de trabalho demora demasiado tempo e exige demasiado esforço para criar.

A mensagem que fica é a de facilitismo, desresponsabilização e de completo desprezo pelo rigor e exigência. Depois dos exames facilitados e do Novas Oportunidades, o "direito ao sucesso" à portuguesa soma e segue com a proposta do fim dos chumbos. As estatísticas agradecem ou não fossem elas mais um mecanismo de exteriorização de uma aparência sem conteúdo.

3 comentários:

Pedro Fontela disse...

Até foste muito soft!! Obviamente que é uma idiotice pegada não chumbar alunos na escolaridade obrigatória com o nosso contexto cultural, e até os deputados sabem isso... mas, tal como a maioria das medidas na área da educação, a intenção não resolver os problemas de aproveitamento escolar ou de falta de cultura civica mas sim o problema das estatisticas. Esse sim ficaria arrumado se não houvesse elemento de avaliação.

Héliocoptero disse...

E se a intenção é essa, estamos conversados quanto aos verdadeiros propósitos dos partidos de poder no parlamentarismo à portuguesa: trabalhar para o bem do partido e não para o bem comum do país; pensar em termos de ciclos eleitorais e não em função de projectos nacionais.

Mudemos de regime?

Pedro Fontela disse...

Hélio,

Eu voto nisso, até digo mais... como escrevi no meu ultimo post lá no outro sitio a coisa está a cair aos pedaços... parece o titanic a afundar com a orquestra a tocar. Ninguém quer encarar a realidade, este sistema foi mantido vivo pela Europa e a sua influência estabilizadora, com outras preocupações no horizonte dos princiais motores do continente está tudo a desintegrar-se. Quanto menos preparação houver para o inevitável pior será a transição...