Eu não queria estar a voltar tão depressa ao assunto, porque, afinal, este blogue tem outros temas em mente para além da luta pelos direitos dos homossexuais. Nesse sentido veio a recordação do aniversário da conquista de Lisboa e da morte de el-Rei, numa de retomar as outras linhas orientadoras do Penates Publici. Mas os acontecimentos sucedem-se e com a mesma mostra de hipocrisia que tanto moeu e remoeu a minha massa cinzenta, logo, incapaz de não escrever sobre a coisa, cá vai (mais) disto.
Via Miguel e Max, cheguei a esta notícia: a Assembleia Municipal de Lisboa aprovou uma moção do Bloco de Esquerda onde se pronuncia "a favor do princípio constitucional da não discriminação de cidadãos com base na orientação sexual e, em consequência, pela consagração na lei do acesso ao casamento civil a pessoas do mesmo sexo." O facto seria inteiramente motivo de alegria, não fosse o pequeno detalhe de todos os deputados socialistas terem votado a favor, inclusive dois que, no passado dia 10 de Outubro, votaram na Assembleia da República contra duas propostas que teriam legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Não descuro o valor de os orgãos parlamentares municipais pronunciarem-se favoravelmente sobre os direitos dos homossexuais. Num país onde o quotidiano da vida política autarquica é ainda marcado pelos tiques da pequenez beata de há décadas atrás e quando os argumentos usados contra a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo passam tantas vezes pelo não ser prioritário, ser contra a tradição e pela (suposta) falta de debate, são mais que bem vindas inciativas que discutam o tema no Portugal profundo e no ambiente pequeno das autarquias, onde a oposição à igualdade de direitos pode ser confrontada onde ela é mais forte e nas barbas das bases dos dois principais partidos. É, por outras palavras, fazer o debate de baixo para cima. Nesse sentido, está de parabéns a Assembleia Municipal de Lisboa, tal como antes dela esteve a de Odivelas e é desejável que mais municipios lhes o sigam o exemplo.
O que me mete nojo - porque já deixou de me chocar - é a incoerência do Partido Socialista que, semanas depois de ter optado pela disciplina de voto contra dois projectos-lei que teriam legalizado o casamento entre pessoas do mesmo sexo, pronuncia-se, por unanimidade, a favor dessa mesma alteração legislativa numa Assembleia Municipal. Um vestígio que seja de vergonha na cara é coisa que está obviamente em falta entre os socialistas, como, aliás, já se tinha percebido nas últimas eleições para a Câmara Municipal de Lisboa, quando Ana Sara Brito, número 3 da lista do PS, disse que a candidatura de António Costa estava aberta à realização de casamentos homossexuais nos Paços do Concelho como parte das festas do Santo António. Já na altura, as palavras tinham um sabor a esquizofrenia e oportunismo político, uma vez que a dita senhora falava pelo partido que, mesmo tendo maioria absoluta na Assembleia da República, não avançava com a coisa e a proposta era feita com a segurança de quem sabia que a lei ainda não permite aos homossexuais a consagração legal da sua vida conjugal. Como tantas outras coisas ditas e feitas pelos socialistas nestes últimos dois anos, eram palavras bonitas e intenções boas como as que enchem o inferno, mas que valem zero no momento da verdade. Como, aliás, ficou patente sem qualquer sombra de dúvidas no passado dia 10 de Outubro.
O PS é um pouco como o Sir Robin do Santo Graal dos Monty Python: avança de peito aberto e cabeça erguida com palavras e gestos de coragem, mas mete o rabo entre as pernas e foge quando o combate decisivo chega. Ao PS não faltam palavras e gestos de apoio aos direitos dos homossexuais, coisas como discursos, presenças no Orgulho LGBT pela mão da JS, declarações de voto a favor e até votações em assembleias municipais. Tudo acções sem qualquer consequência legal imediata, mas que permitem continuar a encher a boca com discursos sobre modernidade e igualdade sem necessidade de compromisso, fornecendo uma cosmética de esquerda a um partido cuja maioria dos militantes já nem deve bem saber o que é isso. A moção aprovada em Lisboa é um exemplo acabado da inconsequência política do PS. Tem aquela válvula de segurança que é o não ter efeitos legais e, como tal, deixa os socialistas à vontade para votarem a favor sem terem que se comprometer com a defesa dos direitos dos homossexuais.
A intenção do PS é uma e só uma: assegurar votos a todo o custo, nem que para isso tenha que pôr de parte a sua matriz ideológica, os seus princípios e o sentido de coerência que qualquer pessoa digna teria, mas que no Partido Socialista parece escassear. E a aprovação unânime da moção do Bloco tem os contornos de uma tentativa de assegurar votos à esquerda sem um pingo que seja de vergonha na cara. Principalmente no distrito de Lisboa, tão generoso em deputados para os bloquistas.
Publicado em simultâneo no Devaneios LGBT
sábado, 25 de outubro de 2008
Incoerências e inconsequências
Publicado por Héliocoptero às 21:33
Etiquetas: Autarquias, Casamento civil, Direitos LGBT, Parlamento, Partidos políticos
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2 comentários:
Uma geração de socialistas da tanga!! Longe, muito longe, dos seus pais fundadores...
Pais fundadores do tempo da monarquia não Max? lol Porque os do 25 de Abril já se viu que já têm o que queriam - são apaniguados dos interesses comerciais e alguns grupos de pressão.
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