quarta-feira, 16 de abril de 2008

A mais-valia de um terreno

Há muitas coisas em que Portugal se distingue pela negativa da generalidade da Europa ocidental: no valor dos salários, na qualidade do sistema de ensino, na credibilidade dos agentes políticos, na celeridade da Justiça, no grau de dinamismo da sociedade civil ou na coerência das políticas ambientais e de transporte. Mas há um tema em particular em que damos o pior exemplo e que diz muito do modo como o Estado é gerido para servir interesses particulares ou de como a política de ordenamento vive ao sabor da especulação imobiliária: as mais-valias urbanísticas.

Vamos a definições. As mais-valias urbanísticas são o acréscimo de valor de um terreno quando ele passa de agrícola a urbanizável. Uma propriedade em reserva agrícola que passe a integrar área de construção vê o seu valor aumentado em centenas ou milhares de vezes, o que quer dizer que quem tenha um terreno nas imediações do novo aeroporto está neste momento rico, muito rico. Não porque tenha produzido algo de útil, não porque tenha uma empresa de sucesso, mas porque teve a sorte de ter um terreno outrora agrícola que passou a urbanizável por decisão administrativa. É de jogadas destas que são feitas algumas das maiores fortunas e novos-ricos de Portugal, é deste negócio das mais-valias urbanísticas que se alimentam empresários, autarcas e autarquias, partidos e políticos e não poucas vezes por via de crimes de corrupção e tráfico de influências. Porque é grande a tentação de fazer fortuna de um dia para o outro apenas por decisão administrativa, ter um lucro de 100%, 500% ou 1000% só porque um terreno passou de agrícola a urbanizável, e isso potencia a criação de redes de interesses que naturalmente envolvem agentes políticos para eles levarem a cabo a desafectação de terrenos protegidos. Quem disse que os PDMs são uma autêntica bolsa de valores está certo: basta anunciar a revisão do documento que gere o território municipal para, nos bastidores ou não, começarem as pressões, as trocas e vendas e as cunhas para que o terreno do senhor X passe a urbanizável para que ele possa fazer fortuna. Por vezes são os próprios autarcas quem entra no negócio: Avelino Ferreira Torres está actualmente em tribunal acusado de usar um esquema de aquisição de terrenos agrícolas que depois vendia com lucros astronómicos quando eles passassem a urbanizáveis na revisão do PDM. Eis o porquê de ser arriscado municipalizar a RAN e a REN e eis também o porquê de, por essa Europa fora, as mais-valias urbanísticas serem, parcial ou totalmente, retidas pelo Estado: onde não há tentação reduz-se a corrupção e com a vantagem de o erário público – o dinheiro de todos nós – ter receita extra que, de outro modo, iria apenas para os bolsos de alguns.

Em Portugal, no entanto, as mais-valias urbanísticas pertencem aos privados, são lucro à espera de ser pilhado por quem tiver mais sorte ou melhores contactos nos centros de decisão. Por alguma coisa o Bloco de Esquerda propôs como medida de combate à corrupção a nacionalização das mais-valias urbanísticas e, talvez também por alguma coisa, o PS chumbou a proposta este ano. Porque nestas coisas de vício do betão e dependência do imobiliário, o Partido Socialista é indistinto do PSD e alimenta-se da construção enquanto projecto de poder, logo hesita em ofender os interesses responsáveis por um território nacional desordenado e que sofre de males diversos por falta de uma política de ordenamento que tenha como único propósito o bem comum e não os projectos particulares de proprietários, construtores ou imobiliárias. É certo que o actual governo já anunciou que vai cobrar uma taxa de 20% a 30% sobre as mais-valias urbanísticas dos terrenos em torno do novo aeroporto e traçado do TGV, mas isso é pouco, muito pouco. É mandar areia para os olhos, é dar um ar de responsável sem ter a coragem de cobrar o valor total e ver o resto do território nacional a ser pilhado.

Uma proposta: nacionalize-se as mais-valias urbanísticas e distribua-se o seu valor pelas autarquias mediante a percentagem de espaço natural preservado por cada uma delas. E preservado segundo critérios de excelência ambiental, não vão alguns executivos camarários achar que basta ter uns eucaliptais em abandono virtual. Estabelecia-se, assim, um equilíbrio entre urbanizar e preservar em vez da actual situação de preservar como acto lúdico que deve ser posto de parte quando as vacas emagrecem ou o critério finenceiro fala mais alto.

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