quarta-feira, 30 de abril de 2008

Occitano vivo e unido?

Segundo o Portal Galego Língua, foi proposta em França a criação de uma Academia da Língua Occitana, permitindo que se estabeleça uma ortografia comum para um idioma secular que, para além de se encontrar em declinio acentuado, atravessa dificuldades acrescidas por ter actualmente seis dialectos e cinco normas ortográficas.

O occitano, para quem não sabe, é uma língua nativa do sul de França. Dante terá escrito a respeito das línguas românicas que "nam alii oc, alii si, alii vero dicunt oil", ou seja , que uns dizem oc, outros si e outros ainda oil, classificando assim os idiomas descendentes do latim em três grupos conforme a sua palavra para sim. O galego-português, o catalão e o castelhano, juntamente com as línguas da península itálica, fazem naturalmente parte do do si, o norte de França do grupo do oil e o sul, como já foi dito, do conjunto do oc, vindo daí a expressão língua d'oc, ou seja, o occitano.

Foram as condições geográficas as responsáveis pelo aparecimento deste idioma e pelo seu conservadorismo latino. Se, por um lado, a proximidade com Itália e as rotas comerciais do Roão facilitaram uma colonização e romanização precoce da região a que actualmente chamamos Provença (do latim provincia), por outro, o facto de estar contida entre duas cadeias montanhosas - os Alpes e os Pirinéus - e de durante muito tempo ter sido limitada a norte por terrenos pantanosos, favoreceu o isolamento da denominada Occitania e a consequente preservação de um léxico latino muito maior do que na generalidade das línguas românicas. De resto, a centralidade geográfica no mundo mediterrânico abriu as portas para uma centralidade cultural notória na Idade Média. Já lá dizia o nosso El-Rei D. Dinis, numa das suas cantigas, Quer' eu em maneira de proençal fazer agora um cantar d' amor (texto integral aqui) e ainda hoje é comum referir-se ao occitano pelo nome de provençal, muito embora o termo deva ser usado apenas para a variante dialectal de Provença.

O declínio do occitano começa ainda no século XIV e de um modo semelhante ao do galego-português na Galiza cerca cem anos mais tarde: o poder crescente de uma autoridade real que usava outro idioma e a consequente perda de estatuto da língua nativa. Em 1539 foi decretado que apenas a langue d'oil (actual francês) podia ser usada na administração de toda a França e, posteriormente, duas revoluções contribuiram grandemente para a queda no número de falantes: primeiro a Francesa de 1789, que via as línguas regionais como uma ameaça à unidade nacional, seguida da Revolução Industrial, com a hegemonia da vida urbana, da grande cultura francesa e a desagregação de comunidades rurais que tinham preservado o occitano nas tradições orais. O século XIX assiste ainda um renascimento que culmina com um Prémio Nobel da Literatura atribuido em 1904 ao escritor occitano Frederic Mistral, mas a Primeira Guerra Mundial destrói parte dos frutos do seu trabalho.

A rápida perda de falantes continua a ser uma realidade, numa França de uma egalité ao ponto da uniformidade linguistico-cultural. Não existe nenhum censo detalhado a respeito da questão - tal é a importância que o assunto tem para as autoridades francesas - mas o mais recente (1999) aponta para cerca de 610.000 falantes nativos e coisa de um milhão de pessoas com alguma forma de contacto com o occitano. O maior esforço de recuperação da língua vem de associações culturais e grupos de activistas que acabaram por criar uma rede de escolas para ensinar occitano aos mais novos. Se lhe acrescer um orgão linguístico e norma ortográfica comuns em toda a Occitania, então talvez a língua d'oc ainda tenha hipóteses de sobreviver ao século XXI.

Tan m'abellis vostre cortes deman,
qu'ieu no me puesc ni voill a vos cobrire.

Passagem em occitano no canto XXVI d'O Purgatório de Dante.

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