quarta-feira, 16 de janeiro de 2008

Vozes de burro não chegam ao céu?

Que nos Estados Unidos o discurso político cruza-se facilmente com o discurso religioso é coisa que já não espanta ninguém minimamente habituado às notícias que nos chegam do outro lado do atlântico. Trata-se do país onde se discute qual o livro sagrado que deve ser usado nos juramentos de tomadas de posse, onde um sacerdote abre uma sessão do Senado e arrisca-se a ser interrompido se não for cristão e, mais recentemente, o país onde um candidato a candidato presidencial vê-se forçado a esclarecer as suas crenças religiosas para acalmar as bases do seu partido e garantir a viabilidade da sua campanha. E isto tudo com uma Constituição que consagra a separação entre Estado e Igrejas.

Mas esta semana, segundo a Reuters, surgiu uma crítica a este estado de coisas. Mais uma, dirão vocês. Sim, mais uma, mas desta feita vinda do próprio campo religioso. Duas instituições, a Faith in Public Life e a Catholics in Alliance, emitiram uma declaração conjunta em reacção a vários episódios das presentes primárias americanas. O texto, assinado por padres, pastores e teólogos, pede o fim da religião como arma-de-arremeço no campo político e estabelece três princípios básicos:

1) Que as diferenças religiosas não devem ser usadas para marginalizar ou desacreditar candidatos.

2) Que os candidatos devem reconhecer que nenhuma fé deve reclamar exclusividade sobre os valores morais que enriquecem a vida pública.

3) Que as suas posições políticas devem respeitar todos os cidadãos independentemente da sua crença religiosa.

Propostas louváveis, é certo, quase no ponto (os ateus que me digam de sua justiça) e significativas por, com alguma surpresa, não se basearem em nomenclatura abraamica. Resta saber que impacto terá a declaração num país como os Estados Unidos, onde o politicamente correcto rima com o religiosamente devoto e onde os evangélicos exercem uma influência política desaconselhável em qualquer democracia salutar. Cheira-me que a iniciativa de pouco servirá, principalmente depois de ouvir estas declarações do actual candidato republicano Mike Huckabee, mas, ainda assim, fica o registo.

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