quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Gato escondido com rabo de fora

Há uma homofobia não admitida por políticos, dirigentes nacionais, intelectuais e portugueses anónimos que todos tentam esconder atrás de um manto de elaborados e desesperados argumentos. Pode ser por censura social, pressão do políticamente correcto ou de forma a levar água ao moinho conservador. O que é certo é que toda a desculpa legal, histórica, filosófica e social serve para justificar a discriminação em função da orientação sexual, tudo com a aparência de argumentos racionais que não passa disso mesmo: aparência! Porque, bem vistas as coisas, os porquês dos homofóbicos dentro do armário são tudo menos racionais.

Dizem, por exemplo, que aceitar o casamento entre pessoas do mesmo sexo seria uma ofensa à Igreja Católica, detentora original do matrimónio (a sério que já ouvi isto!). A validade deste argumento num Estado laico é já por si só questionável, além de fazer tábua rasa dos cem anos de casamento civil em Portugal e de só no século XII os sacerdotes terem passado a ser elemento comum na cerimónia do matrimónio. Que até aí a Igreja tenha regulado o casamento é um facto, do mesmo modo que regulou toda a moral pública, mas duvido muito que se considere legítimo que o Estado não deve aceitar o divórcio, o sexo pré-matrimonial ou o livre culto religioso porque isso seria uma ofensa à Igreja Católica e às regras e costumes que ela em tempos impôs à sociedade.

Também se diz que o casamento pressupõe a procriação, coisa impossível quando a união é entre duas pessoas do mesmo sexo. Diz-se isto não obstante o facto de o Estado não exigir aos conjuges a produção de descendência sob pena de dissolução do matrimónio civil, ao contrário do que sucedeu durante muito tempo com o religioso. Esquecem-se também os homofóbicos no armário que o Código Civil português permite a realização de casamento quando um dos nubentes corre risco de vida (artigos 1622º a 1624º), não sendo razão para a anulação do matrimónio a morte entretanto ocorrida. E, a menos que se considere a necrofilia um processo válido de procriação, o Estado reconhece, então, a validade de um casamento onde é impossível a produção de descendência.

Depois há o argumento bacoco da taxa de natalidade, de que o Estado deve tomar medidas que aumentem o número de crianças em vez de dar o seu aval a formas de vida não-reprodutivas e que se todos fossemos homossexuais a Humanidade deixava de existir. Se todos fossemos clérigos católicos, o Homem também deixava de existir, ou não fosse o Vaticano o Estado com a mais baixa taxa de natalidade do mundo. Na lógica do «Faz como eu digo e não como eu faço», a Igreja condena a sua própria prática quando levada a cabo por outros e os católicos insurgem-se contra o "risco" demográfico da homossexualidade ao mesmo tempo que aprovam campanhas de apelo aos jovens para se dediquem à vida religiosa no Catolicismo.

E há ainda o argumento do medo, do receio pelas pobres criancinhas que um dia venham a ser adoptadas por casais do mesmo sexo. Fala-se na ausência de uma figura paternal (ou maternal), no risco de abusos sexuais e no que será dos miúdos quando os colegas de escola lhes perguntarem como é que é isso de terem dois pais ou duas mães. Não consta que a ausência de uma figura masculina ou feminina impeça a adopção por uma pessoa apenas, a menos que os homofóbicos no armário exijam que essa pessoa seja hermafrodita. Também não consta que abusos sexuais por conjuges heterossexuais sirvam de argumento para vedar a adopção a casais de pessoas de sexo diferente e, quanto ao ambiente escolar das crianças, o que será dos miúdos quando os colegas de escola lhes perguntarem como é que é isso de só ter um pai ou uma mãe? Afinal, se se permite que não apenas casais, mas também uma pessoa apenas possa adoptar, é porque não se vê nessa situação familiar inconvenientes na escola e na educação da criança. Inclusive se a mulher ou o homem que adoptar for homossexual e, se assim é, perdem-se as justificações racionais que vedam a adopção a casais do mesmo sexo. Sobram as irracionais: o medo, o preconceito e o ódio. Numa palavra, a homofobia! Aquela a que tantos tentam ainda dar ares de opinião respeitável e lúcida, embora, como se viu, sem grandes possibilidades de sucesso.

Com esta fraqueza de argumentos da parte de quem acha legitimo discriminar com base na orientação sexual, estava-se mesmo a ver que isto ia acontecer mais tarde ou mais cedo. É inevitável, na França como cá, por muito que choque os conservadores como em tempos chocou a instituição do casamento civil, o divórcio ou as uniões de facto.

Publicado em simultâneo no Devaneios LGBT

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