terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Da claustrofobia, asfixia e outras coisas mais

Há ausência de liberdade de expressão em Portugal? Não! Há condicionamentos ao exercício da liberdade de expressão? Sim! Mas esse mal não tem raiz em nenhum partido ou político em particular, mesmo sendo José Sócrates um burocrata birrento que lida mal com críticas. O problema está na organização do actual regime democrático e na falta de cultura política - seja do agente político, seja do cidadão.

Há uns anos atrás, um jornal de Alcobaça publicou uma sátira minha ao Presidente da Câmara de então. Entre as concordâncias e discordâncias de muitos, houve quem dissesse - a mim ou ao meus pais - que eu devia ter cuidado com o que escrevia, que qualquer dia eu podia precisar da autarquia e arriscava-me a ficar de mãos a abanar. E, mais ou menos pela mesma altura, o executivo camarário obrigou a organização de uma exposição a excluir da lista de artistas um professor universitário natural de Alcobaça por causa das sátiras e críticas que ele dirigia à Câmara.

É esta a asfixia democrática do país! Não é censura de lápis azul, que essa, felizmente, já lá vai, mas são as pressões, as ameaças veladas e os bloqueios burocráticos estrategicamente ocorridos que alimentam um clima de medo e de consequente auto-censura. E o que é verdade para Alcobaça é verdade para a generalidade das autarquias portuguesas, principalmente na província, ou para as regiões autónomas, mormente para a Madeira, e é transversal à classe e partidos políticos. Alguém acha que a Manuela Ferreira Leite que fez uma autêntica purga às listas do PSD para a Assembleia da República tem mais facilidade em lidar com críticas do que José Sócrates? Já ninguém se lembra das pressões do Governo de Santana Lopes por causa das crónicas televisivas de Marcelo Rebelo de Sousa? O mal é muito mais profundo do que as acções deste ou daquele partido, desta ou aquela pessoa.

O problema radica na ausência de uma cultura de mérito e na presença esmagadora da da cunha, do favor e do tráfico de influências que alimenta e da qual se alimentam as organizações de distribuição de contratos em que se transformaram os partidos políticos. É uma verdadeira relação parasitária para benefício mútuo! De um lado estão os que, com a benesse de uma "amizade", conseguem o que de outra forma lhes escapava; do outro, os aparelhos partidários que, desse modo, cativam apoios públicos ou privados. E, no meio da cumplicidade e do medo de perder a cunha - e o proveito que dela se retira - morre a liberdade de se falar sem receio de represálias. Foi com esse fantasma que me acenaram em Alcobaça ou dessa forma que castigaram outra pessoa; é assim um pouco por todo o país, independentemente da militância partidária dos agentes.

Disse alguém em tempos que a ausência de cultura de debate não se fica só a dever à falta de interesse ou à fraca instrução dos Portugueses, mas radica também no simples facto de poucas pessoas serem verdadeiramente livres: alguém está dependente de alguém e não fala por receio de represálias. Claro que há aqui qualquer coisa de hábitos mentais de outros tempos ou um "ter o Salazar na cabeça"; mas há também a consciência da escassez de ética da parte de quem têm poder e da incapacidade da Justiça em proteger quem se arrisca a ser prejudicado pelo livre e justo exercício da liberdade de expressão. E é por estas e por outras que eu às vezes já não sei até que ponto sou de esquerda: a partir do momento em que o Estado é o principal empregador e cliente - e o aparelho estatal é controlado por aparelhos partidários fechados e imunes à rotatividade - então está aberto o caminho para a intimidação e consequente condicionamento da liberdade de expressão.

A solução? Reduzir o peso do Estado, desburocratizar para permitir o sucesso por via do mérito à luz de critérios mais simples e públicos, sem necessidade de declarações de "Projecto de Interesse Nacional", e reformar o sistema democrático para permitir a livre candidatura de cidadãos aos cargos políticos, sem necessidade de um crivo partidário e sem terem que se esconder atrás do anonimato colectivo de listas. Fácil de dizer, difícil de fazer, eu sei. Mas nunca ninguém disse que para sair do pântano basta um estalar de dedos ou simples mudança de partido no Governo.

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