A respeito da entrada do Miguel nas listas de deputados do PS e da discussão que, sem surpresa, esse facto tem vindo a gerar (ver aqui, aqui, aqui e aqui, por exemplo), há uma pequena reflexão que anda a germinar na minha cabeça desde que soube da coisa.
Pessoalmente, não sei se teria feito o mesmo que o Miguel. Por muito que me agrade a ideia de os socialistas poderem vir a alterar o Código Civil na próxima legislatura, não esqueço que este é o PS das hesitações no combate à corrupção, dos Projectos (ditos) de Interesse Nacional, da recusa da cativação pública das mais-valias urbanísticas, do negócio dos contentores de Alcântara, do investimento desmesurado em rodovias em detrimento das ferrovias regionais e nacionais, da aposta cega nas grandes barragens e da paupérrima cultura democrática de quem acha que o papel dos cidadãos é calar e engolir a partir do momento em que há um programa de governo sufragado em eleições legislativas. Veja-se, por exemplo, os argumentos proferidos durante o auge dos protestos dos professores.
Isto é, no entanto, uma opinião minha e certamente que o Miguel terá a sua. A minha consciência impedir-me-ia de aceitar um lugar entre os deputados socialistas, a dele não. E digo isto sem qualquer vestígio de sarcasmo. Bom seria, aliás, que existissem deputados assumidamente homossexuais e defensores da causa em todos os grupos parlamentares.
Mas o drama nisto tudo - e é aqui que eu queria chegar - é o facto do nosso sistema político não permitir candidaturas livres e individuais à Assembleia da República (ou às municipais). É preciso formar um grupo ou ingressar num já existente, com a natural consequência de ficar tudo no mesmo saco e se acabar associado ao que esse mesmo grupo faz ou fez, independentemente do mérito individual de cada um dos seus membros. Por exigência do presente regime, o Miguel é forçado a associar-se ao melhor e ao pior de um partido para, nas suas próprias palavras, participar no Parlamento e contribuir um pouquinho que seja para a sua abertura à "sociedade civil". É certo que ele é independente, mas no boletim de voto não vai constar o nome dele; e vai ter que conduzir o delicado jogo de manter-se fiel à sua consciência individual num sistema que, na prática, obriga à sua dissolução no colectivo partidário. Nesse campo, não seria de espantar se o Miguel passasse por várias desilusões e muitas frustrações, obrigado a submeter a sua opinião individual aos ditames de um grupo.
Harvey Milk não precisou de ingressar em listas partidárias para entrar na vida política; nem sequer teve que passar pelo crivo de um aparelho político para se poder candidatar: bastou-lhe a sua vontade e o apoio de quem trabalhou com ele. Não teve, por outras palavras, que se confundir com um colectivo político e essa é a melhor forma de abrir o parlamento à sociedade civil: permitir que cada cidadão se apresente livre e individualmente perante os cidadãos e que seja eleito ou não segundo o seu mérito individual, não o de um grupo em que tenha que forçosamente ingressar e de cujo aval necessita.
domingo, 26 de julho de 2009
O drama do colectivo
Publicado por Héliocoptero às 14:32
Etiquetas: Direitos LGBT, Parlamento, Partidos políticos, Sistemas políticos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
4 comentários:
pois, tens razão, eu também teria problemas em defrontar-me com um convite desses. De facto é inadmissível que em termos locais, pelo menos, os eleitores não possam escolher pessoas fora dos partidos. Enfim os partidos são máquinas de tachos/empregos e defendem-se apropriando-se do território eleitoral dos cidadãos. Como será que se poderia fazer? Talvez o Miguel venha a ser um pivot nisso mesmo.
z
O Miguel talvez venha a contribuir para isso na medida em que ele possa confrontar o grupo parlamentar socialista quando lhe tentarem impor sentidos de voto.
Mas ter um parlamento efectivamente representativo, aberto e livre implica libertá-lo da bitola da "estabilidade governamental", ou seja, separar os poderes legislativo e executivo à maneira de um regime presidencialista.
um deputado independente tem que ser independente da disciplina de voto senão é independente de quê?
portanto preferes a versão do presidente que governa, como nos EUA, no Brasil ou em França, ou realmente transpostos os nomes em Espanha ou Inglaterra.
Enfim esta solução semi-presidencialista portuguesa era original no conceito de equilibrio de poderes, se calhar foi por isso que deu pântanosa,
Tem que ser independente de tudo com excepção da sua consciência e do compromisso que assume com os cidadãos do seu círculo eleitoral.
E sim, sou apologista de um regime presidencialista à semelhança do americano: separação de poderes de facto e um sistema de pesos e contra-pesos efectivo sem o pântano da "neutralidade" do chefe de Estado, que acaba a falar como um oráculo e a servir para tudo e para nada.
Enviar um comentário