quarta-feira, 8 de julho de 2009

Contradições

A polémica em torno das duplas candidaturas de socialistas revela as contradições crescentes de um sistema eleitoral obsoleto que, de um lado, insiste na lógica partidária anónima com completa ausência de laço individual entre eleito e eleitores e, do outro, confronta-se com uma personalização da política a que não é estranho um maior desejo de representatividade.

Por outras palavras, a lógica do nosso sistema eleitoral é a de serem grupos e não pessoas quem conquista os mandatos representativos. Os cargos públicos, como o de deputado ou vereador, são tidos como pertença de um partido (ou lista independente ou movimento de cidadãos), tanto que quem os exerce pode ser substituído por alguém da mesma força política sem dar cavaco aos eleitores que eles supostamente representam. Substituição essa que pode ser permanente ou apenas temporária sem se achar que isso empobrece a representatividade democrática. Aliás, basta ler o ponto 2 do artigo 10º da Constituição para se ficar a saber que "os partidos políticos concorrem para a organização e para a expressão da vontade popular". Quer isto dizer que quem nos representa não são pessoas individuais, mas antes colectivos partidários que depois gerem os lugares públicos como bem entendem. O que interessa é manter a proporcionalidade, não pessoas que não têm qualquer vínculo individual com os eleitores.

Assim sendo, aos olhos do nosso sistema eleitoral, as duplas candidaturas são perfeitamente legítimas já que os candidatos ganham lugares para os seus partidos e não para si. Ana Gomes ou Elisa Ferreira são apenas cabeças de cartaz substituíveis uma vez passadas as eleições. E este estado de coisas resulta numa dupla perda para a democracia representativa:

1. Na representatividade popular, já que o nosso sistema veda a possibilidade de eleger pessoas em vez de partidos, não sendo de espantar que quase ninguém saiba os nomes dos deputados eleitos pelo seu círculo eleitoral (vale de alguma coisa saber?);

2. Na cultura de mérito na política, porque se as candidaturas são em bloco partidário e não individuais, tal como está plasmado nos boletins de voto, os eleitores não têm como recompensar os bons representantes e penalizar os maus. Se eu fosse um cidadão do Porto e quisesse castigar aquele deputado que faltou a uma votação na Assembleia da República com a desculpa de que tinha estado num jantar do Boavista na noite anterior, como é que eu o poderia fazer se o boletim de voto das legislativas tem nomes de partidos e não de pessoas? O (de)mérito individual perde-se no anonimato colectivo que é a força partidária e, assim, perde-se também na qualidade da classe política.

Já agora, a mesma polémica no PS é também sintoma da falta de tento dos socialistas: tal como no combate à corrupção hesitaram e acabaram por ir a reboque de outros partidos, neste caso não foram capazes de meter a mão na consciência e acabam por ir a reboque do PSD. No Partido Socialista, de resto como em muita da classe política portuguesa, ainda não se percebeu que o facto de uma coisa ser legal, não quer dizer que seja moral. Mais ainda quando a moralidade em causa é da representatividade dos eleitores.

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