domingo, 7 de junho de 2009

Uma vez Vital, sempre Vital

O discurso de Vital Moreira mencionou alguns pontos que só não surpreendem quem não leia o que o dito senhor vai escrevendo na blogosfera e nos jornais. A saber, 1) que o choca a elevada abstenção num período de crise que requer mais Europa, 2) que fica preocupado com a subida da esquerda "anti-europeísta" (sic) e 3) que vislumbra uma fragmentação do panorama político-partidário com consequências para a governabilidade do país. Tudo coisas que merecem comentários.

1) Que a abstenção é chocante, disso não há dúvida. Se já os infelizmente costumeiros 30% das legislativas são de lamentar, pior será quando duplica a taxa de quem prefere não ir às urnas. Mas talvez a isso não seja estranho o facto de na campanha se ter falado uma vez atrás da outra de temas nacionais que, mesmo quando podiam estar relacionados com política europeia, se ficavam pela curriqueira perspectiva lusa. E Vital Moreira até teve o mérito de, no início, ter manifestado o desejo de se cingir a temas europeus, para, no final, acabar a falar da "roubalheira" do BPN e cair noutras facilidades e lugares-comuns da política provinciana. E nisto ele não esteve sozinho: foi um padrão transversal a quase todo o espectro político-partidário português. O que levanta uma interessante questão para Vital Moreira, já que o dito senhor rejeita a hipótese de um referendo ao Tratado de Lisboa (aí está um tema europeu!) com base no argumento de que, em referendos, vota-se em tudo e por todos os motivos, não apenas os que estão em causa nas urnas. Quer dizer, para o ilustre Professor de Coimbra, a consulta popular directa sobre X não faz sentido por as pessoas votarem com A, B, e C em mente. Pergunta: se a diversidade de motivações dos eleitores anula a utilidade de um referendo, porque é que a mesma variedade não invalida também as eleições para o parlamento europeu?

2) Relacionado com isso, já era altura de Vital Moreira perceber que ser-se contra a "sua" europa burocrata não é o mesmo que ser-se pura e simplesmente contra a União Europeia. Aliás, se há coisa de que não se pode acusar o Bloco de Esquerda é de ser anti-europeísta, já que estamos, afinal, a falar do partido onde há quem defenda a formação de uma verdadeira federação europeia, com uma Constituição de facto e orgãos supranacionais legislativo e executivo directamente eleitos pelos cidadãos europeus. Dessa perspectiva, mais facilmente Vital Moreira é contra a Europa do que muita gente do e que vota no Bloco de Esquerda.

3) E mesmo sendo estas eleições para o parlamento europeu, o senhor Professor de Coimbra não se inibiu de lançar já temas para as legislativas, acenando com o fantasma da instabilidade governativa ao mencionar a fragmentação do panorama partidário português. Vital Moreira, já sabemos, é um defensor da bipolarização; para ele, a democracia deve funcionar como um jogo de cadeiras viciado em que são sempre os mesmos dois quem ganha, agora tu e depois eu, como se o poder fosse uma certeza por desgaste do adversário e não algo que tem que ser merecido sob pena de se ser ultrapassado por outros mais pequenos. E não consta que as democracias parlamentares mais saudáveis da Europa - as nórdicas, por exemplo - sofram do esgotamento do espectro partidário a duas forças apenas ou que a governabilidade esteja em causa por existência de muitos partidos no parlamento. Talvez daí se deva extrair como conclusão que a instabilidade política radica não necessariamente na fragmentação, mas antes na incapacidade de homens como Vital Moreira de perceberem que a democracia é feita de poderes e de contra-poderes, de freios e contra-freios e de negociação permanente, não de maiorias de carta branca que resvalam em autoritarismos rotativos e sufragados. A democracia é governar com tese, antítese e síntese; não é exercer poder ao género de «quero, posso e mando» e da voz popular a cada quatro anos para depois engolir tudo sob o argumento de que alguém foi eleito para governar.

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