quarta-feira, 27 de maio de 2009

A lição da mulher de César

A respeito da sua presença no Conselho de Estado, o mal de Dias Loureiro é não compreender a lição da mulher de César. E nisso não está sozinho: é um problema generalizado da classe política portuguesa que o regime democrático anda a pagar caro.

É certo que qualquer cidadão é inocente até prova em contrário e que o adensar de suspeitas, a constituição de arguido ou a formalização de uma acusação não equivalem a uma sentença judicial. Mas também é verdade que os cargos públicos devem estar acima de suspeita. Se não estão, isso equivale a diminuir a credibilidade de quem os exerce e do próprio aparelho político; e porque a desconfiança nunca é assumida nem individualizada, é sobre todo o conjunto que recai a suspeição. Ou, por outras palavras, é porque não se consegue separar o suspeito dos restantes membros de um grupo que todos passam a ser suspeitos.

Assim, é todo o poder municipal e, por associação, o poder político nacional, quem paga a fatura de não se conseguir isolar personagens como Isaltino Morais e Fátima Felgueiras que, impunemente, mesmo diante de acusações e processos em tribunal por corrupção, continuam a exercer cargos públicos como se nada fosse. E se não há uma separação imediata entre "bons" e "maus" (friso as aspas), é todo o conjunto que leva por tabela e passa todo ele a ser "mau"; é todo o poder político que é descridibilizado por ele ser exercido por pessoas acusadas de corrupção.

À mulher de César não basta ser: há que parecer! A uma instituição como a uma classe política não basta ser credível: tem que parecê-lo! Tem que estar acima de suspeita e, para isso, é necessário que afaste de si aqueles sobre quem se adensa a suspeição de conduta imprópria. Dias Loureiro é uma dessas pessoas e o simples facto de ele não só se recusar a abandonar o Conselho de Estado, como ainda passa a batata quente para o Presidente da República, demonstra apenas e só a sua inépcia para o cargo de conselheiro. Porque se ele é suspeito e é incapaz de se demitir, fazendo-se depender do Chefe de Estado, então ele está, aos olhos da opinião pública, a associar Cavaco Silva às suspeitas de que é alvo. Principalmente se o Presidente se recusar a demiti-lo ou se se vier a provar em tribunal que Dias Loureiro é culpado.

Repito. Os orgãos públicos têm que ser como a mulher de César: não lhes basta ser; têm que parecer! Não é suficiente que eles sejam credíveis: há que parecê-lo! E isso implica estarem acima de qualquer suspeita. Já diz João Lobo Antunes - e bem! - que "o que está em causa é a dignidade do cargo de conselheiro de Estado." E se um cargo deixa de ser credível, o mesmo sucede com todos os que o exercem e não apenas o cidadão suspeito.

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