Ontem, enquanto andava a ler umas coisas e a saltar de página em página da wikipédia, descobri uma pequena curiosidade histórica de algum modo relacionada com os comentários do Z na entrada anterior. Trata-se do caso de São Guinefort, que não foi um homem, mas antes um cão. Sim, isso mesmo: um cão promovido a santo católico. Não oficialmente pela Igreja, é claro, mas pelo povo e com culto activo desde o século XIII até quase meados do século XX. Eis uma breve história.
A primeira referência escrita ao culto do cão Guinefort encontra-se num tratado teológico de um dominicano chamado Stephen de Bourbon, que morreu 1261. O texto contém uma vasta lista de bons e maus exemplos de conduta cristã como referência fácil para pregadores, sendo que um dos casos mencionados é o do culto de um cão perto da cidade francesa de Lyon. Enquanto ouvia a confissão de várias pessoas, Stephen deu por referências recorrentes a um São Guinefort a quem as mulheres pediam protecção para as crianças. Pensando tratar-se de um homem, descobriu mais tarde tratar-se de um cão e foi ao local de culto ver a coisa com os seus próprios olhos (e destruir o sítio como bom cristão que era, claro).
Stephen regista por escrito a lenda do santo, que conta como ele era o cão de um senhor rico e da sua mulher, que tinham um filho, e de como um dia, encontrando-se o casal ausente, uma grande serpente entrou no quarto da criança e foi Guinefort quem a defendeu, matando a cobra. Quando o pai chegou a casa e deparou-se com sangue em volta do berço e na boca do cão, matou-o julgando que ele tinha atacado a criança. Só depois perceberam que o bébé estava vivo e, olhando à volta, ele e a mulher repararam no corpo da serpente. Apercebendo-se do erro, o casal tomou o corpo de Guinefort e sepultou-o num poço que depois fecharam com pedras e à volta do qual plantaram árvores em sua memória. A mansão acabou por ser abandonada e ficar em ruínas, mas o povo da região começou a acorrer ao local, visitando o túmulo do cão para pedir para outras crianças a protecção que ele tinha dado ao filho dos seus donos. E eis como um canino foi popularmente elevado a santo durante sete séculos, que mesmo depois do monge dominicano destruir o local de culto as pessoas continuaram a acorrer ao sítio. Guinefort terá chegado até a ter uma igreja própria.
De dizer que há nesta história qualquer coisa de pré-cristão, seja o cão como espírito protector, o poço santificado ou o círculo de árvores em redor em modo de bosque sagrado. E nem estou a dizer que o culto tenha origens anteriores ao cristianismo, mas que pode ter originado numa mentalidade antiga que sobrevive à mudança de religião. Para quem quiser saber mais sobre São Guinefort, foi hoje mesmo lançado no Reino Unido um livro sobre o tema, já à venda na Amazon britânica.
Já agora, mais uma pequena curiosidade. São Roque, o mesmo que tem uma igreja ali para os lados do Elevador da Glória, era segundo a lenda um senhor originário de Montpellier e que foi auxiliado por um cão que, sem o conhecer, levava um pão ao santo todos os dias. Queres ver que...
quinta-feira, 16 de abril de 2009
Um cão que foi santo
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2 comentários:
que engraçado, puseste-me com um sorrisão, este foi o meu herói sincero, mas é preciso não esquecer que os cães são ciumentos e cometem excesso de zelo, aquele lá da cobra se calhar enganou-se, lembra-te do Alexandre, mesmo assim a história é curtida,
vem, vou esticar as pataz,
este Papa devia ser porreiro,
agora é que vou,
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