sábado, 25 de abril de 2009

Tomar-lhe o pulso

Ontem à noite, no Expresso da Meia-Noite da SIC Notícias, debateu-se o estado da democracia, passadas que estão três décadas e meia sobre a Revolução de Abril. Um hora que conseguiu ser tão inútil quanto esclarecedora.

Começando por pôr de parte aquilo que foi o lastro do debate, pouco me importa se é correcto ou não definir-se o actual regime português como semi-presidencialista, parlamentar ou semi-parlamentar. O que me interessa saber é se ele funciona, se produz governantes de qualidade e mérito e se permite uma separação de poderes efectiva. E, na minha modesta opinião, ele deixa muito a desejar em qualquer um dos três aspectos, principalmente nos últimos dois. É isso o que interessa discutir quando se fala de qualidade da democracia, não de definições. Porque a qualidade dos responsáveis pela gestão da coisa pública reflecte-se na qualidade da governação e, se esta não é vigiada por um sistema de pesos e contra-pesos, o poder arrisca-se a cair em autoritarismos de medíocres.

Foi confrangedor ouvir vezes sem conta, ao longo do debate, os chavões políticos da "estabilidade governativa", do "bloqueio institucional" ou de "forças de bloqueio". Ontem como nos outros dias em que se dá a palavra a um sem fim de comentadores do regime. E eu perguntava-me vezes sem conta se essas coisas apontadas como terríveis não são, afinal, uma parte natural e até desejável da democracia. Porque se há separação de poderes e há um sistema de freios e contra-freios, então é óbvio vai haver confronto e bloqueio políticos. E é precisamente esse o objectivo. Parafraseando Montesquieu, a liberdade existe quando o poder está habilitado a para o poder e a democracia requer uma forma de tese, antíse e síntese, na medida em que é suposto levar ao confronto de ideias e projectos para depois eles se encontrarem num meio termo de poderes opostos. O nosso problema - muito nosso mesmo - é a falta de maturidade para aceitar e saber viver com isso. Preferimos a teoria do poder incontestado, da maoria absoluta para não haver oposição a chatear, do podre unanimismo da "cooperação institucional" e da ausência de confronto político no jogo do presidente-disse-e-não-disse. E ainda e sempre aquela ideia paradisiaca de herança monárquica do poder moderador, imparcial e dotado do magistério da influência. Preferível seria que mandassemos essa teoria para o lixo e passassemos para um sistema efectivo de pesos e contra-pesos em vez de continuarmos da ilusão de moderação neutral, que serve para tudo servindo para pouco ou nada.

Por fim, uma última nota sobre o debate de ontem. Foi dito - e não é de discordar - que a mudança de regime não traz necessariamente a resolução dos nossos problemas. Mas a arquitectura de um sistema influencia a qualidade de quem é escolhido para gerir a coisa pública e, desse modo, a qualidade da governação. Punhamos a coisa nos termos do seguinte exemplo:

Um homem concorre a um cargo nuns serviços municipais e é, para isso, submitido a uma avaliação para se saber se tem ou não competências para desempenhar a função. É chumbado com uma nota baixa, mas, anos depois, ascende ao cargo de vereador e passa a superior hierárquico do avaliador que o chumbou. Tudo porque conhecia o recém-eleito Presidente da Câmara ou porque ingressou as listas do partido. E toma um lugar no executivo camarário graças a isso sem ser escrutinado decentemente por qualquer orgão do município. Não será demais, portanto, recordar que, há uns meses atrás, um nomeado para Secretário do Tesouro Americano foi chumbado pelo Congresso por ter cometido erros na declaração de impostos, enquanto neste Portugal à beira-mar plantado, porque a arquitectura deficiente do regime o permite, é perfeitamente possível que incompetentes ou medíocres ocupem lugares cimeiros de gestão sem terem que dar explicações por isso. Basta terem o favor do aparelho partidário ou fazerem favores às pessoas certas.

A mudança de regime não leva, por si só, à resolução de problemas. Mas um bom sistema aumenta as hipóteses de termos bons políticos, coisa que o nosso não só não faz como põe imensas possibilidades a deixar fazer. E, por isso mesmo, há que mudá-lo!

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