sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Maravilhas da partidocracia #2

José Sócrates disse não ter gostado de ver deputados socialistas votarem a favor do projecto-lei do CDS para a suspensão da avaliação dos professores. Desconhece-se se o sentimento se deve ao facto da proposta ter tido origem na direita ou se foi unica e exclusivamente pelo facto de os deputados socialistas não terem estado ao lado do Governo. Em qualquer dos casos, José Sócrates mostra-se incapaz de perceber a dinâmica mais elementar do orgão legislativo que é o parlamento.

O objectivo da Assembleia da República e, como tal, de todos os deputados que a compõem, é fiscalizar a acção do poder executivo e, se uma maioria assim o desejar, vedar-lhe o caminho ao recusar-lhe financiamento, autorização ou aprovação de projectos-lei. Como em qualquer função fiscalizadora, espera-se, assim, que haja assertividade e capacidade crítica, não o desejo de agradar ou de estar nas boas graças de quem está a ser examinado. Imaginemos o que seria se um revisor não exigisse os bilhetes nem passasse coimas para não ser desagradável. Ou que um polícia não pedisse os documentos nem multasse para não chatear os condutores. Ou que um fiscal não andasse a fazer perguntas chatas e a opôr-se a determinadas acções só porque nós não gostamos. Seria certamente uma irresponsabilidade grosseira, tal como é quando deputados preferem olhar para o lado e suspender o seu juízo crítico só para estarem de boas relações com o Primeiro-Ministro. A Assembleia da República não tem que agradar ao Governo: tem que se impôr a ele como orgão fiscalizador, exigindo, reclamando e, se necessário for, votando contra as intenções do executivo.

Por aqui se vê a doença que afecta o nosso sistema partidário, já que sujeita a liberdade dos representantes da Nação aos ditâmes de um aparelho, privando os deputados da sua razão e consciência, desligando-os das populações para cuja representação eles foram eleitos e convertendo-os num rebanho sem coragem ou vontade para cumprir a sua função fiscalizadora. Se dúvidas havia quanto ao porquê da Assembleia da República ser cada vez mais olhada como um espaço de oratória inconsequente e de nulidades políticas que arrendam a sua livre-vontade, aí está uma fonte de corrupção do sistema representativo. Num país onde o Primeiro-Ministro queixa-se de não ter gostado da votação do orgão que é suposto fiscalizar a acção do Governo, estamos conversados quanto à qualidade das nossas "elites" polítias e da nossa democracia.

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