quinta-feira, 19 de junho de 2008

O país real segue dentro de momentos

Eles eram os melhores! Eles iam ganhar! Dormiam num quarto assim e assado, Scolari era herói nacional por coisa nenhuma e o Presidente da República é que tinha a honra de cumprimentar a Selecção. E, neste ambiente de euforia, milhares sairam às ruas de caras pintadas e bandeiras nacionais nas mãos, pouca importava se de escudo de pernas para o ar, com cruzes em vez de quinas ou pagodes em vez de castelos. O patriotismo de pacotilha português, à imagem e semelhança da mentalidade nacional, é mais dado a coisas baratas, imediatas e fugazes do que ao conteúdo, esforço e trabalho. Só um país pobre e mediocre, uma autêntica piolheira à beira-mar plantada, pode alguma vez concentrar numa selecção de futebol a mesma energia, esperança e vontade que se recusa a utilizar para a compreensão, debate e resolução dos problemas nacionais. Como se mais bola fosse sinónimo de mais prosperidade, menos corrupção, mais ordenamento e sustentabilidade ambiental, melhor qualidade de vida, mais igualdade e justiça social. Não é! Por muito que o gosto nacional pelo imediatismo e facilitismo o dê a entender, vitórias no futebol não resolvem os nossos males!

Assim sendo, finda a campanha no Euro 2008, podemos voltar ao país real. Regressamos ao Portugal da baixa produtividade, do investimento inútil na construção, da corrupção nas altas esferas do Estado, da rotatividade política estéril, do espectáculo parlamentar, da disparidade salarial, do labirinto fiscal, da burocracia estatal, das cunhas e favores autárquicos, das baixas taxas de instrução, do facilitismo em detrimento do mérito, das soluções estatísticas, do desordenamento do território, da fragilidade do sistema de transportes, das ferrovias moribundas, da dependência do automóvel, da justiça lenta ou inoperante, da discriminação, da desertificação, da eucaliptização, da pobreza em elites modernas, do desprezo pelos símbolos nacionais excepto em jogos de futebol, dos "doutores" por desejo de título, da falta de sentido de bem comum e da ausência de projectos de longo prazo sustentáveis, que não passem pelo enriquecimento fácil e ilusório.

Sim, é este o país que temos. E vamos continuar a tê-lo por mais que nos tentemos abstrair dele com jogos de futebol, patrotismo descartável e a vida privada das pernas do Ronaldo. Se investissemos na resolução dos nossos problemas metade do esforço e vontade que dedicamos a uma equipa de futebol, teríamos certamente um Portugal bem diferente daquele em que vivemos.

1 comentário:

Sotnas disse...

Héliocoptero,
Faço minhas as suas palavras