O Reino da Noruega é uma monarquia constitucional com uma religião de Estado e uma Constituição que remonta a 1814. O texto consagra o primado da Lei, a soberania popular, o direito de participação política e livre exercício da cidadania, a liberdade religiosa e de expressão, o direito ao trabalho, à protecção ambiental, aos elementares direitos humanos e à preservação e protecção da cultura e territórios Sami. Em artigo algum a Constituição da Noruega proibe a discriminação por motivos de orientação sexual.
Portugal é uma república laica com uma Constituição datada de 1976. Consagra o Estado de direito democrático, a soberania popular, o primado da Lei, a liberdade religiosa e de expressão, assim como os direitos, liberdades e garantias pessoais, de participação política e dos trabalhadores. O ponto 2 do artigo 13º proíbe expressamente a discriminação em função da orientação sexual.
Ontem, dia 11 de Junho, a monárquica e confessional Noruega deu três passos em frente de uma só vez e aprovou o casamento entre homossexuais, a adopção por casais do mesmo sexo e o recurso à reprodução medicamente assistida. Enquanto isso, a laica República Portuguesa permanece na mesma como a lesma, não obstante a sua vanguardista e relativamente jovem Constituição e de encher a boca com discursos sobre ética republicana. Há contrastes que deviam envergonhar todos os ditos humanistas, liberais e republicanos portugueses.
Publicado em simultâneo no Devaneios LGBT
quinta-feira, 12 de junho de 2008
Contrastes
Publicado por Héliocoptero às 16:19
Etiquetas: Adopção, Casamento civil, Direitos LGBT, República
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10 comentários:
Ora nem mais. Aqui me confesso vermelho de vergonha...
Se a religião de estado na Noruega for parecida ao culto do alcóol que vimos praticar na Suécia, está explicado que eles sejam um gajos porreiros e respeitadores da individualidade de cada um:)
Aproveito para te dizer, já que falaste sobre a expulsão dos judeus desta santa terrinha, que li recentemente uma ficção histórica sobre um inglês que, chocado com a prática "médico-carniceira" dos barbeiros cirugiões europeus, viaja até à Pérsia, onde se faz passar por judeu para poder estudar numa academia médica islãmica onde os judeus são tolerados. Maravilhoso. Vou apontar a mira para a literaura oriental durante uns tempos.
Abraços***
O relevante não está no aparato, está no concreto. Os noruegueses são igualitaristas de facto e estão-se de facto nas tintas para a a religião. Connosco é exactamente o contrário. Costumam algumas forças políticas dizer que falta cumprir Abril. Eu digo que o que falta cumprir é o 5 de Outubro.
Não sei se é bem nas tintas, Igor. É certo que a percentagem de noruegueses que frequentam o culto religioso com regularidade é residual e que a Noruega é dos países mais laicos da Europa ocidental, com a percentagem dos que se consideram religiosos a não passar da casa dos 40%. No entanto, a percentagem dos que se consideram ateus fica-se pelos 9%, o que quer dizer que a Noruega está num estado mais avançado daquilo que é cada vez mais a religiosidade moderna: descentralizada e personalizada, nalguns casos eclética, sem forma fixa ou classificação especifica.
Já agora, não deixa de ser irónica a possibilidade de concretização do 5 de Outubro em monarquia. Pelo menos a Noruega é um exemplo muito aproximado disso.
Referia-me ao 5 de Outubro na perspectiva de laicização e, mais amplamente, de fim dos privilégios.
No entanto, o problema não é de regime. É de cultura. A Finlândia e a Islândia são repúblicas, a Suécia e a Dinamarca monarquias. Em termos de diferenças na vida real dos indivíduos, é nula.
Quanto ao estar nas tintas, repara que a Bíblia não é propriamente um livro muito gay-friendly. Tanto no Antigo como no Novo Testamento há condenações explícitas da homossexualidade. Portanto, se os noruegueses não se estivessem nas tintas para a sua religião oficial e acreditassem verdadeiramente nela, teriam de perseguir os homossexuais (como de resto todos os países europeus fizeram até deixarem de ser cristãos) e nunca permitir-lhes o casamento.
Mas essa realidade não nos é estranha em Portugal, onde pelo menos 70% dos portugueses dizem-se católicos, mas não deixam de ir "à bruxa", cometer adultério, divorciar-se ou votar pela despenalização do aborto. Nalguns casos, até, o ser católico aparece de mãos dados com o ser homossexual.
Repito, portanto, que a Noruega está num estado mais avançado daquilo que é cada vez mais a religiosidade moderna: descentralizada e personalizada, criada ao sabor das convicções individuais de cada um e sem dar grande importância a autoridades da fé. O próprio fenómeno de católico não-praticante, tão comum em Portugal, é sintoma disso mesmo.
Quanto à questão do 5 de Outubro, também o disse na perspectiva da laicização e para chegar à mesma conclusão que tu: monarquia ou república, a questão não está necessariamente no regime.
Caro Héliocoptero,
A maioria dos portugueses que se define como católica não praticante, é na realidade deísta sem o saber, i.e., acredita em algo de transcendente, chamemos-lhe Deus ou qualquer outra coisa, mas não tem qualquer religião, e orienta a sua vida pelas suas convicções e experiências pessoais e não pelo que a hierarquia da igreja diz. Graças a Deus que assim é!
Nos países nórdicos este fenómeno da laicização é já mais antigo e profundo: aqui em Portugal se você disser, como eu o faço, que não tem religião mas que acredita na mesma em Deus, ainda olham para si de lado. Mas se disser que é católico praticante as boas consciências já ficam tranquilas.
Continuamos no país do faz de conta.
Até na Constituição: tão moderna, segundo parece uma das mais modernas do mundo, e para quê ? Para termos uma república das bananas chamada Portugal.
Neste canto à beira-mar plantado não é preciso ser, basta parecer.
Eu diria mais, Stonas: em Portugal, muitos são católicos por referência padrão. Porque não querem ou não têm como livremente escolher a sua religião (ou nenhuma) e, sendo pessoas espirituais por desejo ou necessidade de recorrer ao sobrenatural, recorrem pois à única referência religiosa que têm: a católica. Mesmo que as suas crenças pessoais nada tenham a ver com as do catolicismo, mas é a única religião que conhecem.
Caro Héliocoptero,
Em termos de religião eu definiria a maioria dos portugueses como católicos por tradição e rotina.
Tal como a maioria dos marroquinos, por exemplo, são também muçulmanos por tradição e rotina. A maioria não escolhe a religião que professa, aquela passa de geração em geração como passa, por exemplo, o sobrenome.
Por isso temos tão maus católicos em Portugal.
Valorizo muito as pessoas que fazem as suas opções religiosas por moto próprio depois de uma busca mais ou menos longa.
Também eu deveria ser católico, mas aos 17 anos, já sabia o que queria, não queria ser católico nem professar qualquer outra confissão religiosa. Adoptei o deísmo como crença: acredito no transcendente, não tenho religião (acredito que estas são criações humanas, baseio as minhas crenças na razão e na minha experiência pessoal, não faço proselitismo, a minha religião não tem clero, ninguém impõe nada a ninguém, não conheço, ao contrário de muitos iluminados que por aí existem a vontade de Deus, não sei o que existe depois da morte, se é que algo existe. Por isso, defendo uma sociedade totalmente laica.
Enfim, já escrevi demais.
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