...porque os nossos projectos políticos, nas legislativas, nas autárquicas e, enfim, na condução da política do país, estão em confronto.
As palavras são de Francisco Louçã quando recusou a possbilidade de o Bloco de Esquerda repetir a coligação com o PS na Câmara Municipal de Lisboa. O argumento usado revela o quão profundo é o bairrismo e a política de trincheira no sistema partidário português, para pobreza (ou pior) da democracia portuguesa.
Que os projectos do Bloco estejam em confronto com os do Partido Socialista é normal e até saudável no presente regime político; se não houvesse diferença entre eles, então não se justificaria a existência separada das duas forças partidárias. Mas achar que o conflito é motivo para inviabilizar coligações é sintoma de quem não entende as bases de uma negociação e acaba, no final, por dar razão a quem defende que um país só se governa com maiorias absolutas. Um compromisso, porque é disso que se trata uma coligação governamental, é um acordo em que todas partes envolvidas ganham e perdem para atingirem um equilibrio satisfatório. No caso da constituição de um governo, refaz-se as propostas eleitorais, deixando cair umas propostas e manter outras, até se atingir um programa de governo que satisfaça as partes envolvidas. Estou p'rá 'qui a escrever isto e a achar a coisa toda demasiado óbvia, mas é a vida em Portugal. O que disse para as coligações governamentais serve igualmente para qualquer negociação, seja ela salarial, empresarial, diplomática e sabe-se lá que mais. É regatear, portanto, partir de extremos opostos até se chegar a um meio-termo aceitável que permita a cada uma das partes desenvolver os seus projectos. Por conseguinte, o Bloco de Esquerda pode estar nos antípodas do PS, mas podia executar algumas das suas propostas se estivesse disposto a temporariamente deixar cair outras; como não o faz, fica o PS com tudo e o Bloco sem nada. Seria como se Louçã tivesse a possibilidade de conseguir um ganho importante, mas dissesse que não porque queria ganhar tudo. Ou vai ou racha, ou tudo ou nada: assim se faz política em Portugal.
Não é novidade nenhuma que a governação em terras lusas faz-se em moldes de «quero, posso e mando», de resto como bem revela o modo como algumas das reformas de Sócrates são implementadas. Também é comum entender-se uma vitória eleitoral como uma carta branca governativa e já não surpreende a fraca qualidade de muitos dos debates na Assembleia da República, onde se discute quem fez primeiro e disse por último, quem ganha mais e cede menos, num exercício de qual a forma mais rápida de nos incompatibilizarmos todos uns com os outros. No bairrismo político de trincheiras partidárias assim instaladas, o bem comum é disputado por todos sem que ninguém olhe mais para ele e menos para o próprio umbigo. Abunda espaço para ver quem manda mais, escasseia para a negociação. E sem negociação não há compromissos, sem compromissos não há coligações.
Estranhamente, a Suécia, a Dinamarca, os Países Baixos e a Alemanha parecem dar-se bem com um sistema que exige sempre ou quase sempre um governo a dois ou a três. Não consta que seja por isso que estejam social e politicamente piores que nós, que os partidos políticos se tenham descaracterizado ou que a democracia tenha entrado em colapso. Pelo contrário, nesses países há alguma facilidade em conseguir perceber que a gestão de um país vai para lá dos umbigos partidários e que o bem comum não é o mesmo que o bem do partido. Em Portugal ainda não se chegou a esse estado de maturidade democrática.
domingo, 2 de março de 2008
Disse sim, não disseste, disse sim ao quadrado
Publicado por Héliocoptero às 16:54
Etiquetas: Democracia, Partidos políticos
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
eu juro que me apetece ir lá e pô-los na ordem "à maneira gaulesa" quando os ouço a gastar o tempo na assembleia a trocar galhardetes, tempo esse que é precioso principalmente porque é pago a peso de ouro com os meus impostos... espero pelo dia em que alguém por lá se levante e diga: "ora bem, vamos mas é falar a sério..."... e tenho suspeitas que, a acontecer, vai ser uma mulher a fazê-lo.
Enviar um comentário