domingo, 2 de março de 2008

Disse sim, não disseste, disse sim ao quadrado


...porque os nossos projectos políticos, nas legislativas, nas autárquicas e, enfim, na condução da política do país, estão em confronto.

As palavras são de Francisco Louçã quando recusou a possbilidade de o Bloco de Esquerda repetir a coligação com o PS na Câmara Municipal de Lisboa. O argumento usado revela o quão profundo é o bairrismo e a política de trincheira no sistema partidário português, para pobreza (ou pior) da democracia portuguesa.

Que os projectos do Bloco estejam em confronto com os do Partido Socialista é normal e até saudável no presente regime político; se não houvesse diferença entre eles, então não se justificaria a existência separada das duas forças partidárias. Mas achar que o conflito é motivo para inviabilizar coligações é sintoma de quem não entende as bases de uma negociação e acaba, no final, por dar razão a quem defende que um país só se governa com maiorias absolutas. Um compromisso, porque é disso que se trata uma coligação governamental, é um acordo em que todas partes envolvidas ganham e perdem para atingirem um equilibrio satisfatório. No caso da constituição de um governo, refaz-se as propostas eleitorais, deixando cair umas propostas e manter outras, até se atingir um programa de governo que satisfaça as partes envolvidas. Estou p'rá 'qui a escrever isto e a achar a coisa toda demasiado óbvia, mas é a vida em Portugal. O que disse para as coligações governamentais serve igualmente para qualquer negociação, seja ela salarial, empresarial, diplomática e sabe-se lá que mais. É regatear, portanto, partir de extremos opostos até se chegar a um meio-termo aceitável que permita a cada uma das partes desenvolver os seus projectos. Por conseguinte, o Bloco de Esquerda pode estar nos antípodas do PS, mas podia executar algumas das suas propostas se estivesse disposto a temporariamente deixar cair outras; como não o faz, fica o PS com tudo e o Bloco sem nada. Seria como se Louçã tivesse a possibilidade de conseguir um ganho importante, mas dissesse que não porque queria ganhar tudo. Ou vai ou racha, ou tudo ou nada: assim se faz política em Portugal.

Não é novidade nenhuma que a governação em terras lusas faz-se em moldes de «quero, posso e mando», de resto como bem revela o modo como algumas das reformas de Sócrates são implementadas. Também é comum entender-se uma vitória eleitoral como uma carta branca governativa e já não surpreende a fraca qualidade de muitos dos debates na Assembleia da República, onde se discute quem fez primeiro e disse por último, quem ganha mais e cede menos, num exercício de qual a forma mais rápida de nos incompatibilizarmos todos uns com os outros. No bairrismo político de trincheiras partidárias assim instaladas, o bem comum é disputado por todos sem que ninguém olhe mais para ele e menos para o próprio umbigo. Abunda espaço para ver quem manda mais, escasseia para a negociação. E sem negociação não há compromissos, sem compromissos não há coligações.

Estranhamente, a Suécia, a Dinamarca, os Países Baixos e a Alemanha parecem dar-se bem com um sistema que exige sempre ou quase sempre um governo a dois ou a três. Não consta que seja por isso que estejam social e politicamente piores que nós, que os partidos políticos se tenham descaracterizado ou que a democracia tenha entrado em colapso. Pelo contrário, nesses países há alguma facilidade em conseguir perceber que a gestão de um país vai para lá dos umbigos partidários e que o bem comum não é o mesmo que o bem do partido. Em Portugal ainda não se chegou a esse estado de maturidade democrática.

1 comentário:

Rita disse...

eu juro que me apetece ir lá e pô-los na ordem "à maneira gaulesa" quando os ouço a gastar o tempo na assembleia a trocar galhardetes, tempo esse que é precioso principalmente porque é pago a peso de ouro com os meus impostos... espero pelo dia em que alguém por lá se levante e diga: "ora bem, vamos mas é falar a sério..."... e tenho suspeitas que, a acontecer, vai ser uma mulher a fazê-lo.