No seguimento de uma observação que fiz no Povo de Bahá, quero expandir um pouco os argumentos apresentados de forma a dar-lhes um grau de detalhe que é pouco recomendável numa caixa de comentários.
Uma vez mais, sem querer ser ofensivo, a ideia que muitas vezes fica da oposição à Cientologia não é uma de repúdio por práticas da Igreja em causa. Na esteira do que já disse o Ricardo Alves, aquilo de que se acusa a Cientologia não é novidade no campo das comunidades religiosas, uma vez que extorsão, separação de familiares, ligações obscuras e outras coisas mais são denúncias que também recairam (ou continuam a recair) sobre a Igreja Universal do Reino de Deus ou a Igreja Maná. E não é por isso que estas e outras confissões são alvo de todo o repúdio que se vê pela Cientologia.
O problema parece-me mais profundo e vai ao âmago de séculos de cultura judaico-cristã que introduziram uma noção pré-concebida de religião como sendo o culto a uma entidade transcendente. Ou seja, ou se adora um deus com determinadas qualidades ou a coisa dificilmente entra na categoria religiosa. Basta pensar na hesitação que ainda hoje há em classificar o budismo como credo (muitas vezes por parte dos próprios budistas) ou a diferença que se gosta de estabelecer entre o culto a rochas ou árvores como sendo superstição e o culto a um deus transcendente como sendo religião. Neste aspecto, há atitudes ocidentais para com o hinduísmo ou o xintoísmo que são particularmente sintomáticas, tal como as atitudes para com a religião dos antigos gregos, perguntando-se se eles acreditavam mesmo nos seus deuses e reduzindo-os a mitologias, limitando a noção de religioso às fés abraamicas ou, mais modernamente, a todas as que acreditem num deus semelhante ao de Abraão. É revelador como o chamado "diálogo inter-religioso" tem muitas vezes como base uma aceitação mais ou menos tácita de que deus há só um e as religiões limitam-se a adorá-lo de formas diferentes.
Assim sendo, de onde é que eu acho que vem o repúdio pela Cientologia? Do facto de se poder considerar religião um culto e liturgia centrada em extraterrestres. O problema não são as práticas que também surgem entre os adeptos de outros credos, mas sim a possibilidade de algo que muitos consideram fantasia poder ser posto ao nível da entidade que comumente se considera a essência da religiosidade. Soa a gozo que extraterrestres possam entrar na mesma categoria que o fenómeno religioso "a sério", até porque isso só parece reforçar o argumento dos ateus que consideram toda e qualquer forma de religião como pura fantasia. Choca porque vai contra a noção pré-concebida e abre a possibilidade de qualquer associação poder ser considerada religiosa se os seus membros assim o quiserem. E isso é um precedente assustador para muitos devotos.
Sinceramente, reagir contra o reconhecimento da Cientologia como religião pelo tipo de crenças que perfila soa-me a maus hábitos passados de tentar classificar estas coisas ao nível do Estado e segundo um manual de instruções oficial. Seria preferível que já tivesemos ultrapassado esse dogmatismo e deixassemos a categorização de religião para quem a pratica, nem que seja, volto a dizer, o culto a uma maçaneta. Se um grupo de pessoas quer fazer disso uma associação religiosa, pois que seja! Se quiserem agarrar na Guerra das Estrelas e fundar uma religião Jedi, força! Não me incomoda minimamente desde que respeitem a lei. Se não respeitarem, que sejam investigados e julgados por isso e não pelas suas crenças.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
Ainda sobre a Cientologia
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