quarta-feira, 18 de março de 2009

Iluminador!

O artigo de Vital Moreira no Público de ontem foi revelador. Tratou-se de um esclarecimento sobre a representatividade do regime presente por um dos seus arautos, num raro momento de honestidade da partidocracia. O Professor de Coimbra quis falar da (in)sustentabilidade da "indisciplina" parlamentar no actual sistema político e eu agradeço a forma como, em tão poucas linhas, soube apresentar aquilo que, na minha modesta opinião, são defeitos gritantes da nossa democracia dita representativa.

Diz Vital Moreira que os actuais regimes democráticos têm como verdadeiros protagonistas os partidos políticos e que estes assumem a proeminência em detrimento da visibilidade individual dos deputados. Aponta até a forma como tal estado de coisas tem uma expressão radical no nosso sistema, onde as forças partidárias detêm o monopólio da representação política, nos boletins de voto não consta sequer o nome dos candidatos e, passo a citar, "não tendo os eleitores nenhuma influência na escolha concreta dos deputados." O ilustre Professor remata dizendo que, "num modelo destes, (...) os deputados devem a sua eleição aos partidos que os propõem, e são responsáveis não perante os eleitores mas sim perante os respectivos partidos, sendo estes que respondem directamente perante o eleitorado."

Vital Moreira chega até a achar natural a exclusão dos deputados que se recusam a votar ao lado do partido pelo qual foram eleitos, porque uma derrota da maioria parlamentar, mesmo que não sendo numa moção de censura, não deixa ser uma "desfeita" (sic) do executivo. Assim, dependendo a estabilidade governativa da coesão no parlamento, é natural que os deputados estejam "conscientes de que a sua recondução nas eleições seguintes depende do seu alinhamento com a orientação partidária."

Portanto, ficamos todos a saber que os deputados, não obstante o serem eleitos por círculos eleitorais distritais, não servem, na realidade, para representar essas populações. Não estamos sequer num regime de representação popular, mas sim partidária, já que os eleitores não têm qualquer forma de influenciar as listas de deputados. Esse papel compete aos aparelhos partidários, os mesmos que excluem quem não lhes faça a vontade, acabando, como hoje, a valorizar a anulação da consciência, a menorização intelectual e reduzindo a vontade popular a uma espécie de sondagem a cada quatro anos. Em nome da estabilidade governativa, investe-se no seguidismo, no comportamento acrítico e na irresponsabilidade de votar em coisas que nem se conhece, porque se um deputado serve para representar um partido e há que respeitar a coesão partidária, a um dito "representante da Nação" basta que a direcção da sua força política lhe diga como votar, sem necessidade de ler os projectos-lei. Diz o Professor de Coimbra que são os partidos que respondem perante os eleitores, mas escapando os aparelhos partidários ao sufrágio universal, refugiando-se em vez disso na lógica interna dos favores e amizades políticas, o voto popular pouco mais faz do que mudar caras. Os dedos e os cordelinhos que eles puxam, esses ficam lá na mesma, reduzindo a uma insignificância prática a rotatividade, que é um pilar de qualquer democracia salutar.

No meio de tanta honestidade de Vital Moreira, ficou por esclarecer como é que deputados que representam partidos e não os eleitores podem alguma vez arrogar-se de poderes representativos para se subsituirem ao voto directo dos cidadãos em questões como a rectificação do Tratado de Lisboa. Pela minha parte, espero sinceramente que o regime partidário que temos não só apodreça, como morra! E que lhe suceda um sistema presidencialista, onde o executivo não dependa do legislativo e os deputados possam ser militantes em partidos, mas também independentes eleitos individualmente por círculos mais pequenos que os actuais. A democracia ou é representativa de facto ou resvala numa oligarquia como a actual.

Nota: Imagem de Vital Moreira em modos de Santa Lucia retirada daqui.

3 comentários:

Anónimo disse...

isto vai mexer muito com a Revolução Digital, e a responsabilização directa dos deputados e mais transparência,

abriu a caça,

z

Héliocoptero disse...

Mas a responsabilização directa dos deputadas, mesmo com meios digitais, é pouca ou nenhuma a partir do momento em que, formalmente, eles não são considerados responsáveis perante os eleitores. Nem sequer representantes dos eleitores, logo não se podem sujeitar ao seu escrutínio directo. E Vital Moreira fala com a autoridade de quem é um homem do sistema.

Anónimo disse...

sim, o que está em jogo é o que denuncias, eu acho que está a ficar tudo tremido, mas ainda é o que está de pé, concordo,

z