quarta-feira, 4 de março de 2009

Henrique, o (não) Navegador

Nasceu no Porto a 4 de Março de 1394, terceiro dos filhos de D. João I e de Filipa de Lencastre a chegarem à idade adulta. Figura mítica ou antes mitificada da nossa História, a ele atribui-se o génio criativo responsável pela gesta dos Descobrimentos, casto e virtuoso, de olhares direccionados apenas para o horizonte marítimo e rejeitando os luxos e prazeres terrenos, incluindo o carnal, já que nunca casou ou teve filhos, coisa que não lhe estava necessariamente vedada por ser Mestre da Ordem de Cristo. Dado que o seu lema era Talant de bien faire, é-se tentado a pensar que a ausência de descendência ficou a dever-se a uma falta de talento para a coisa ou ao Infante achar que a obra não iria sair bem feita. Detalhes da vida privada à parte, Henrique ficou conhecido como O Navegador e é-lhe atribuida ainda hoje a responsabilidade por uma escola de navegação localizada na ponta de Sagres.

Claro que do mito ao ser humano vai uma grande diferença, mais ainda no caso deste Infante, que foi o último dos filhos de D. João I a viver em terras lusas depois da tragédia de Alfarrobeira.

Henrique foi navegador de terra firme, que de barco nunca passou de Ceuta ou, quando muito, de Tanger e, no que se refere à dita Escola de Sagres como edifício de aprendizagem de marinheiros sentados a ouvir atentamente, já se sabe que provavelmente não terá existido. Pelo menos não naquele promontório e não no sentido de escola como estrutura física. Henrique também não foi uma espécie de hermita dedicado às Descobertas, mas juntou-lhes sempre a vontade de fazer guerra em Marrocos. Após a conquista de Ceuta em 1415, foi o Infante um dos defensores de uma nova incursão ao norte de África, desta feita para conquistar Tanger. E a expedição veio a concretizar-se em 1437, comandada em parte por Henrique, que não seguiu o planeado e teimou em não levantar o cerco atempadamente. Resultou daí a derrota portuguesa e o cativeiro do Infante D. Fernando, prisioneiro até que Ceuta fosse devolvida aos mouros. Em Portugal, recebida a notícia, o rei D. Duarte aconselha-se sobre o que fazer, se devolver a praça marroquina ou aceitar o martírio do irmão cujo resgate em dinheiro não se consegue. Em Ceuta, Henrique ignora a ordem para regressar a Lisboa, permanece isolado a lamber as feridas e escreve a defender a morte voluntária de Fernando contra a devolução do bastião luso em África.

Acresce ainda que o Infante não foi sequer o único mentor dos Descobrimentos, já que parte desse papel pertenceu ao seu irmão Pedro, o qual pôs em dúvida a utilidade da expedição a Tanger, terá defendido a entrega de Ceuta após a derrota de 1437 e argumentava contra a aposta na gesta marroquina, sorvedoro de homens e dinheiro, preferindo, em vez disso, o investimento nas descobertas, menos dadas a esforços militares e mais próprias à expansão comercial que equilibrasse as contas do Reino. E foi essa a aposta de Pedro quando foi feito regente de Portugal em 1440, pese embora ele nunca tenha conseguido que se abandonasse Ceuta, mas dinamizou a colonização das ilhas atlânticas e entregou a Henrique o monopólio da navegação e exploração para lá do Cabo Bojador. No pós-regência, Pedro viria a cair vítima de intrigas cortesãs e do seu próprio temperamento, morrendo em 1449 na Batalha de Alfarrobeira, que opôs o seu exército particular de Duque de Coimbra ao do seu sobrinho Afonso V e os grandes do Reino. Onde estava Henrique? Do lado da coroa e contra o irmão, ainda que tenha tentado (ou dito tentar) assumir o papel de mediador.

Assim foi que, mortos todos os filhos de D. João I à excepção de um, Henrique ficou como único responsável das Descobertas, colado à Coroa pela sua cumplicidade e com a oportunidade de ver renovada a guerra de Marrocos com a conquista de Alcácer Ceguer em 1458, que Afonso V era mais dado a cruzadas que a navegações. O Infante morreu a 13 de Novembro de 1460 com aura de mentor virtuoso. Olhando para os Paineis de S. Vicente de Fora, pergunte-se se, em vez da figura de chapelão ao centro, não será ele antes o cavaleiro púrpura de joelhos mais ao lado. É isso, pelo menos, o que defende esta teoria.

5 comentários:

Anónimo disse...

tenho para ali algures uma biografia do infante escrita por um inglês.

Duque de Viseu, grão-mestre de Cristo, tinha o monopólio do sabão e das pescas, se bem me lembro.

Foi tramado o que fez ao irmão, Fernando foi literalmente sacrificado para se obter a bula que permitia ir Africa afora, o embuste de Tanger tinha esse objectivo principal: a bula.

z

Pedro Fontela disse...

Hélio,

O Afonso V realmente era mais cruzado que explorador (aliás era mais medieval que moderno...) e para isso basta ver que a grande jogada do seu reinado foi a tentativa de ocupar o trono de Castela através do seu casamento com uma pretendente rival de Isabel a Católica. Quanto a D. Henrique que podemos assumir? Foi politicamente mais habil que os seus irmãos daí ter sobrevivido.



Z,

olha vi para lá um comentário teu de ha uns tempos no meu blog que ainda estava por aprovar e sem querer apaguei-o. Desculpa, foi realmente sem intenção.

Héliocoptero disse...

Mais caricata que a jogada para tentar chegar ao trono castelhano ainda acho a ideia de querer ir a Jerusalém quando não conseguiu o apoio francês. Valha-nos ao menos o Príncipe Perfeito como regente nos períodos de ausência de Afonso V.

Quanto ao Infante D. Henrique, não sei se a sobrevivência dele ficou a dever mais à sorte e ambiguidade do que a habilidade política. A teimosia no cerco de Tanger e a intervenção na crise que se seguiu à morte de D. Duarte deixa-me com dúvidas. Vou esperar pela sessão do curso livre sobre os filhos de D. João I para esclarecer a coisa.

Anónimo disse...

no problem, já nem me lembro o que era,

o Afonso V no livro de armas dos cavaleiros do Tosão de Ouro da época está o máximo, de dragão na cabeça todo embuçado de cruz e quinas junto com o cavalo, tenho para ali uma foto algures,

sobreviveu? Ninguém sobrevive, a não ser na ordem do imaginário, sobreviveu mais uns aninhos e faliu em vida, o duque de Coimbra ficou sempre como a referência de elite, não?

z

Anónimo disse...

já lembrei Pedro, era a propósito de coisas como esta. E porque não?

z