segunda-feira, 9 de junho de 2008

O moralismo religioso de Estado

Representação moderna do deus nórdico Freyr,
adorado no
neopaganismo germânico

Via Avenida Central, cheguei a esta notícia que, tal como ao Pedro Morgado, ensinou-me que a legislação nacional não permite sex shops a menos de trezentos metros de escolas, parques ou locais de culto. Que não possam estar a paredes meias com espaços de ensino e ocupação de tempos livres ainda se percebe, apesar de eu achar que a curiosidade própria das crianças e os naturais apetites sexuais dos adolescentes não devem ser enfrentados com tabus e redomas hermiticamente fechadas. Mas, saltando esse ponto, a questão que fica é a da autoridade de um Estado laico para legislar em matérias de moral religiosa.

Laicidade quer dizer neutralidade. A estrutura estatal que a assume está a dizer que não vai tomar partido em matérias de religião, limitando-se a dar liberdade aos seus cidadãos e a zelar pelo cumprimento da lei civil. O Estado laico não emite opiniões a respeito de crenças, mundividências, textos e cosmologias de qualquer religião. Também não pode ser ateu, já que isso seria uma quebra da sua neutralidade por tomada de partido pela negação da fé. Nem sequer pode definir o que é uma religião, por mais estranhas ou até ridiculas que as crenças possam parecer: se um conjunto de pessoas adora uma maçaneta ou um caixote do lixo e diz ser essa a sua fé, tem todo o direito de o fazer. O Estado laico, por não ser um credo nem uma instituição direccionada para o seu estudo, é religiosamente incompetente, devendo limitar-se a assegurar a liberdade religiosa dos seus cidadãos e o respeito pela lei e ordem civis. Nada mais!

Se é incompetente em matérias de religião, porque é que o laico Estado Português tem opinião a respeito da moral religiosa e dá-lhe forma legal? Afinal, proibir lojas de sexo a menos de trezentos metros de locais de culto é cair no pressuposto de que toda e qualquer religião tem alguma forma de aversão a manifestações de sexualidade, à imagem e semelhança das três fés abraamicas. Fazê-lo é emitir um juízo em matérias às quais o Estado laico devia ser alheio, mais ainda quando a diversidade religiosa que caracteriza as sociedades ocidentais acolhe, desde há várias décadas, diversos grupos religiosos que não só não repudiam o acto sexual, como até o integram na sua própria iconografia e rituais.

Foi nesse sentido, aliás, que se pronunciou uma turista francesa entrevistada pelo JN a respeito do tema, afirmando que "cada um tem a sua religião, não vejo qualquer problema com essa proximidade." Já em Portugal, a única proximidade que parece não incomodar é do Estado com a religião.

2 comentários:

Pedro Fontela disse...

Palmas! :) Resumiste bem precisamente o que penso sobre este assunto!

Aliás, até no primeiro paragrafo concordo contigo. Estes tebas tabus não me parecem positivos para um crescimento saudavel e descomplexado.

Marco Oliveira disse...

E se o local de culto pertencer a um grupo satânico, também deverá estar afastado (a uma distância regulamentar) das escolas? E qual a distância em relação a outros locais de culto "não-satânicos"?

E qual a distancia a que as máquinas de vendas automáticas de bolos e chocolates devem estar das escolas? Ou será que isso só se aplica para as máquinas de venda de tabaco?