domingo, 14 de dezembro de 2008

Cada qual na sua capelinha

Li esta noticia e lembrei-me logo dos meus pensamentos enquanto via a entrevista que Francisco Loçã deu esta semana à RTP.

O Bloco, diz ele, não se encontra disponível para se coligar com o PS, muito embora se encha a boca com palavras bonitas como "convergência" ou "sinergias" de esquerda. Bem sei que o Partido Socialista é mais centro que outra coisa e que este governo em particular tem os seus tiques de centro-direita (não é por acaso que está a ocupar o espaço do PSD), mas fico na dúvida se a irredutibilidade do Bloco se deve a um qualquer repúdio incontornável pelo centrão - dir-se-ia, um radicalismo de esquerda - ou, em alternativa, à mesma esparradela mental portuguesa que faz de um governo democrático uma espécie de autoritarismo rotativo e o mandato popular um género de carta branca governativa à qual todos se devem inevitavelmente submeter.

Um governo de coligação implica uma negociação entre as partes que o constituem. A negociação tem por objectivo conduzir a um acordo. O acordo traduz-se num programa de governo comum que reuna o consenso dos membros da coligação. Criar um consenso entre partes diferentes - mas próximas o suficiente para se poderem coligar - implica que os dois ou mais intervenientes perdem e ganham qualquer coisa. É essa a natureza de uma negociação: eu prescindo de X e tu ganhas Y, eu ganho A e tu precindes de B. Em democracias como a Alemanha, a Dinamarca, os Países Baixos ou a Suécia, isto é parte da realidade política e não parece causar repúdio. Em Portugal, entende-se que a coisa ou vai ou racha, vai como eu quero ou não vai sequer. À meninos reguilas, portanto.

Enquanto não ganharmos cultura democrática suficiente para sermos capazes de pôr de parte o nosso umbigismo partidário, não vamos ter convergências de esquerda duradouras no governo nacional e não vamos livrar-nos do «quero, posso e mando» que faz escola na praxis política portuguesa. Nem sequer vamos entender que os partidos existem apenas e só para pugnarem pelo bem comum e não pelo bem partidário, devendo, como tal, unir-se naturalmente nas ideias que partilham e negociar (ou não) nas que as separam, em vez de se comportarem como bandos de pacóvios que defendem os seus e as suas capelinhas a todo o custo.

Como o Pedro escreveu em tempos, em Portugal não temos partidos, mas sim facções. E eu fico na dúvida se Francisco Louçã não estará já a rejeitar qualquer acordo com o PS por ter a mesma mentalidade demorática que os socialistas.

3 comentários:

Pedro Fontela disse...

Nós sempre tentámos emular o sistema parlamentar inglês (de forma atabalhoada mas tentámos...) e por isso é normal que a expectativa natural do político em Portugal seja algo do género autoritário e rotativo - daí que também o sistema não esteja a lidar bem com a existências dos partidos mais pequenos e esteja em manobras para ou se livrar deles ou reduzir a sua influência até serem insignificantes.

E como todos concordamos a questão não está em eles trabalharem juntos ou separados... está sim em saber até que ponto estão dispostos a sacrificar o status quo. Até que ponto irão na destruição do interesse pessoal na administração e na política. Até que ponto as suas medidas obedecem a um projecto político com pés e cabeça (independentemente dele ser fruto de um só partido ou a junção de vários) em vez de serem o que são hoje (uma mistura da prestação de favores com a caça ao voto). Tenho sérias reservas em todos estes pontos quanto a todos os partidos políticos que existem.

Héliocoptero disse...

E eu tenho reservas quanto aos partidos existentes e futuros partidos no actual sistema político: a partir do momento em que as formações políticas têm o monopólio do poder nacional e o regime é alimentado com políticos profissionais, qualquer projecto partidário, por muito meritório que seja no início, está condenado a ficar quinado ao mínimo vislumbre de poder.

Héliocoptero disse...

Acrescento mais umas palavras.

Enquanto a actividade política depender, legal ou necessariamente, do apoio partidário, as forças políticas nunca vão ser verdadeiramente agrupamentos ideológicos, mas antes máquinas de poder, uma espécie de estruturas turvas que visam o poder pelo poder ou pelos empregos que proporciona e, nas tuas próprias palavras, "uma mistura da prestação de favores com a caça ao voto". Mais ainda quando no boletim de voto consta o anónimo colectivo partidário em vez de nomes de pessoas que possam ser individualmente responsabilizadas.

Que giro seriam os episódios de votações polémicas ou das faltas dos deputados num sistema onde se elegesse pessoas e não partidos em bloco...